quinta-feira, 30 de julho de 2009

Amor é fogo que arde sem se ver

Ironicamente a década de 90 coincidiu com o período temporal em que mais discos de José Cid foram lançados para o mercado. No entanto, contrariamente ao que se podia prever, após o mega êxito de "Cai Neve em Nova York" de 1989, o percurso musical de José Cid daí para diante esteve longe de atingir as luzes da ribalta. Discos menos comerciais, em nada consonantes com a fábrica de sucessos anteriormente construída nos anos 70 e 80, sucederam-se uns atrás dos outros, num total de oito. Não estranhou por isso que, em termos discográficos, José Cid findasse o anterior milénio com o lançamento de mais um álbum discreto, à semelhança de todo o seu percurso musical durante essa década.
Se é uma verdade indiscutível que a (ainda pouco) falada marginalização de José Cid (e da música portuguesa em geral), ocorrida nas rádios portuguesas no início dos anos 90, contribuiu para o fracasso comercial dos seus discos, não deixa de ser também menos verdade que a opção de José Cid por uma vertente musical menos sedutora para o público em geral foi também um factor decisivo para que alguns dos seus discos (de imensa qualidade) tivessem ficado arredados do conhecimento da crítica. E note-se que falamos de alguns dos mais belos trabalhos musicais de José Cid; para além do já falado “Camões, as Descobertas e Nós” de 1992, que particularmente admiramos, há que realçar ainda o disco “ Entre Margens” de 1999 (205 OVCD), registo sonoro ancorado, na sua grande maioria, em sonoridades musicais que se entrelaçam com as nossas raízes mais puras, sem, contudo, deixar de lado o toque da modernidade que sempre caracterizou os discos de José Cid.. Canções como “ S. Salvador do Mundo”, e “Fandangueiro à luz da Lua” são exemplo de uma busca de José Cid pelo recordar das nossas lendas e tradições, recorrendo aos sons das guitarras de Coimbra, ao acordeão, ao sapateado, à viola, conjugados ainda com a sua própria voz que, plena de fado, consegue transmitir ao ouvinte a nostalgia que vai cantando ao longo do disco. Também através dos poemas emprestados de iminentes escritores como David Mourão Ferreira, Fernando Pessoa, Natália Correia, Luís de Camões e os espanhóis Pablo de Neruda e Rosália de Castro, é feita simultânea homenagem aos poetas e temáticas que ao longo dos anos têm influenciado José Cid nas suas canções. Por essa razão, “Entre Margens” apresenta-se como um disco que transporta consigo um misto de sentimentos dispersos, como a saudade, a nostalgia, a portugalidade, a fé, a esperança e, evidentemente, o amor. Apesar de dispersos, todos eles têm em comum o facto de mergulharem na sonoridade única dos sons da nossa terra, sendo essas composições as que ainda hoje, quando José Cid se reúne com os “Sons do Centro”, as que constituem a grande maioria do reportório dos seus espectáculos.
É sobre o amor, temática inalienável das nossas vidas, que nos debruçamos hoje, ao elegermos para apresentação do disco o conhecidíssimo poema de Luís de Camões “ Amor é fogo que arde sem se ver”, numa interpretação despida de arranjos sumptuosos, antes sim com recurso aos tímidos sons do piano e sintetizadores (de José Cid) e ao contrabaixo, guitarras eléctricas e acústicas ( de Francisco Martins, colaborador habitual de José Cid nos anos 90) num registo que, apesardespida de complexidade, não deixa de se enquadrar no lado mais intimista daquele disco. Não sendo fácil cantar Camões, mais difícil se torna necessariamente musicar a lírica camoniana, pelo menos a julgar pelos registos musicais que nos têm chegado até aos dias de hoje das interpretações da poesia de Camões. Apesar de tudo, cremos que a adaptação musical de José Cid de um dos poemas mais conhecidos de Luís de Camões, resultou muito bem, sendo um excerto desse tema que hoje partilhamos com o leitor.

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segunda-feira, 6 de julho de 2009

Mosca Super Star

Em Novembro de 1975, em Tókio, Japão, José Cid participa pela segunda vez (enquanto intérprete) no célebre World Pop Music Festival, com a versão original de “Ontem, hoje e amanhã”, (“ Yesterday, Today and tomorrow”), no qual obteve o honroso 9.º lugar, participação essa que lhe valeu ainda o reconhecimento com um dos prémios Outstanding Song Awards do Festival, enquanto “composição notável”. O brilharete de José Cid impunha, pois, o lançamento imediato de um single no mercado português que reflectisse o sucesso da sua participação. Apesar de José Cid ter escolhido a língua inglesa para se apresentar em solo nipónico, o single que saiu para o mercado em Março de 1976 acolheu no seu lado A a versão portuguesa de “Ontem, hoje e amanhã” (Decca SPN 199 G), com uma apelativa e sugestiva referência na capa “ Canção Vencedora do Prémio Outstanding Composion no Festival de Tóquio de 1975”. Naturalmente, tratou-se de um dos discos de José Cid que mais unidades vendeu na sua carreira, fazendo ““Ontem, hoje e amanhã” parte de um grupo limitado de refrãos de canções que a grande maioria dos portugueses conhecem.
No entanto, o mesmo já não se pode referir em relação ao lado B do single, “Mosca Super- Star” que permanece quase que desconhecida do grande público. Ao trazermos hoje “Mosca Super-Star” estamos também a recuar ao início de 1976, ano em que José Cid funda o grupo Cid, Scarpa, Carrapa & Nabo ( com Guilherme Inês, Carrapa e Zé Nabo ) Infelizmente, essa formação foi uma das mais efémeras formações da história do rock sinfónico-progressivo português, tendo apenas gravado duas composições: “Mosca Superstar” e a “Vida” ( Sons do quotidiano)”, durante o ano de 1976, antes da transição de José Cid da Valentim de Carvalho para a editora Orfeu. Na nossa opinião, Mosca Super-Star é uma das melhores composições de José Cid, na qual este, mesmo recorrendo a sonoridades com evidentes reminiscências de rock psicadélico-progressivo dos anos 70, tem ainda o propósito de lançar mão de uma crítica satírica aos sucessivos governos de transição após o 25 de Abril e à consequente mudança para o mesmo rumo de onde se partira. “Foram-se as moscas embora/fiquei sentado na mesa/mas só as moscas mudaram/pois a comida é a mesma”. Mesma opinião partilhamos em relação ao E.P. “Vida”, sobre o qual nos debruçaremos numa outra oportunidade.
De forma incompreensível, a colectânea de 2006 da EMI “Grandes Êxitos” inclui o tema "Mosca Super-Star" com um som trituradamente abafado, ao ponto de eventualmente o ouvinte poder pensar tratar-se de uma gravação retirada directamente de uma cassete com as fitas amolecidas , depois de muitos anos de exposição ao Sol na bagageira de um carro. Enquanto “Mosca Super-Star” não aparece em formato digital com uma qualidade sonora que se aceite, limitamo-nos a colocar um excerto da nossa versão, retirada directamente do vinil, que ainda assim, supera em muito, em termos sonoros, a versão digital.

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