sábado, 21 de novembro de 2009

Dona Feia, Velha e Louca

Ao longo de toda a carreira discográfica de José Cid encontram-se não raras evocações da poesia popular medieval, as quais, devido à sua peculiar estrutura rítmica, são susceptíveis de proporcionar, na maioria das vezes, interessantes adaptações musicais. Desde logo com o Quarteto 1111, explorando a obra de Gil Vicente, passando pelo single “D. Fulano”, no qual Cid explora pela primeira vez a escrita do Rei D. Dinis (em parceria com Natália Correria”) passando “Todas las aves do mundo” do seu segundo E.P. “ História Verdadeira de Natal” e até pelo Cancioneiro Geral de Garcia de Resende em “Fermosinha “do L.P. “ José Cid” ( 1989), sem esquecer ainda a adaptação musical de outro poema de D. Dinis “ Ai, ai, flores de verde Pinho” em 1979, para o único single de Armanda, José Cid tem a espaços repescado interessantes composições medievais, sejam elas de autores desconhecidos ( pertencentes ao imaginário popular) sejam elas de trovadores assumidos. Também no seu primeiro E.P. a solo, “Lisboa, Perto e Longe”, ( Columbia 8E-40108) José Cid musicou, recriando a sonoridade correspondente a uma interessante cantiga de escárnio e de maldizer com o título original de «Ai Dona fea, fostes-vos queixar», da autoria do trovador português do séc. XIII, João Garcia de Guilhade, adaptada por José em 1972, para o português moderno do então século XX.
Não querendo entrar muito em explicações relativas ao trovadorismo medieval, podemos adiantar em jeito de síntese, que nesta cantiga estão presentes as características essenciais das cantigas de escárnio e de maldizer: a ironia manifesta, a ambiguidade do vocabulário utilizado enraizado em duplos significados e a ocultação da pessoa visada com o escárnio, características que José Cid manteve intactas na adaptação que fez do poema, cantando para uma mulher que até então se queixava do facto de um determinado trovador nunca a ter elogiado nas suas cantigas, ao mesmo tempo que manteve a ironia ao apelidá-la de “feia, velha e louca”.
Por mera curiosidade, transcreve-se na íntegra o poema original de João Garcia de Guilhade:

Ai dona fea! Fostes-vos queixar
Porque vos nunca louv' en meu trobar
Mais ora quero fazer un cantar
En que vos loarei toda via
E vedes como vos quero loar:
Dona fea, velha e sandia!
Dona fea! Se Deus me pardon!
E pois avedes tan gran coraçon
Que vos eu loe, en esta razon,
Vos quero ja loar toda via;
E vedes qual será a loaçon:
Dona fea, velha e sandia!
Dona fea, nunca vos eu loei
En meu trobar, pero muito trobei;
Mais ora ja un bon cantar farei
En que vos loarei toda via;
E direi-vos como vos loarei:
Dona fea, velha e sandia!

"Dona feia, Velha e Louca", trata-se de um tema pouco conhecido de José Cid, extraído de um dos seus mais raros discos, do qual apenas podemos encontrar em CD, a canção que dá título ao E.P. “ Lisboa, Perto e Longe”. As restantes canções ( “Dida”, “Dona Feia, Velha e Louca” e “Zé Ninguém” ainda estão para ver a luz do dia em formato CD.
“Lisboa Perto e Longe” da trilogia de EP's de José Cid após o seu primeiro LP a solo, é talvez o mais camaleónico dos três e aquele que e, termos de sonoridades musicais revela o lado mais multifacetado de José Cid, explorando quatro composições musical e tematicamente diferentes entre si. Neste tema concreto, destaca-se acima de tudo, para além da componente medieval, evidentes reminiscências do folclore tradicional, devido à escolha cuidada dos instrumentos, todos eles acústicos, que ilustram este poema.

Clique no Play para ouvir excerto da canção

Madrugada na Praia deserta # 2

Depois de termos recebido mais de 20 comentários de diversos leitores relacionados com a última mensagem sobre ao novo disco de José Cid, na qual elaborámos a nossa humilde crítica, não podíamos ficar indiferentes ao acolhimento que a canção( por nós)escolhida para sua apresentação teve junto da crítica. Da nossa parte fica o agradecimento sincero a todos os que leram o nosso blogue e o regozijo de não termos defraudado as expectativas de todos aqueles que, de uma forma ou outra, compraram o disco influenciados pelas nossas palavras.
Não podemos também ficar indiferentes ao e-mail que recebemos dias antes, por parte da Rádio Miróbriga, a alertar-nos para o programa Atlântico, da autoria de Bruno Gonçalves Pereira, de dia 30 de Outubro. Contudo, devido aos nossos inúmeros afazeres, que nos têm impossibilitado de manter a actualização semanal do blogue a que nos tínhamos proposto, não nos foi possível anunciar atempadamente a emissão do programa, com direito a entrevista com José Cid e à versão original de “Madrugada na praia deserta”, excluída do disco, em favor da versão que apresentámos na mensagem anterior.
Por uma questão de justiça e como sabemos que a procura foi bastante, divulgamos aqui um excerto da canção, que nos foi facultada gentilmente por Luís do Ó, para que todos os leitores comparem as diferenças entre a primitiva versão e a versão definitiva. Justiça seja feita também a Ulisses Ulisses Silva,– vocalista dos K2O3 – compositor do tema, músico de Santiago do Cacém, a quem auguramos um excelente futuro como compositor.
Clique no Play para ouvir um excerto do tema retirado do programa Atlântico, que se encontra disponivel para audição na íntegra no blogue do programa ou através deste link : http://ooutrolugar.blogspot.com/2009/11/o-atlantico-ganhou-asas.html