sábado, 21 de novembro de 2009

Dona Feia, Velha e Louca

Ao longo de toda a carreira discográfica de José Cid encontram-se não raras evocações da poesia popular medieval, as quais, devido à sua peculiar estrutura rítmica, são susceptíveis de proporcionar, na maioria das vezes, interessantes adaptações musicais. Desde logo com o Quarteto 1111, explorando a obra de Gil Vicente, passando pelo single “D. Fulano”, no qual Cid explora pela primeira vez a escrita do Rei D. Dinis (em parceria com Natália Correria”) passando “Todas las aves do mundo” do seu segundo E.P. “ História Verdadeira de Natal” e até pelo Cancioneiro Geral de Garcia de Resende em “Fermosinha “do L.P. “ José Cid” ( 1989), sem esquecer ainda a adaptação musical de outro poema de D. Dinis “ Ai, ai, flores de verde Pinho” em 1979, para o único single de Armanda, José Cid tem a espaços repescado interessantes composições medievais, sejam elas de autores desconhecidos ( pertencentes ao imaginário popular) sejam elas de trovadores assumidos. Também no seu primeiro E.P. a solo, “Lisboa, Perto e Longe”, ( Columbia 8E-40108) José Cid musicou, recriando a sonoridade correspondente a uma interessante cantiga de escárnio e de maldizer com o título original de «Ai Dona fea, fostes-vos queixar», da autoria do trovador português do séc. XIII, João Garcia de Guilhade, adaptada por José em 1972, para o português moderno do então século XX.
Não querendo entrar muito em explicações relativas ao trovadorismo medieval, podemos adiantar em jeito de síntese, que nesta cantiga estão presentes as características essenciais das cantigas de escárnio e de maldizer: a ironia manifesta, a ambiguidade do vocabulário utilizado enraizado em duplos significados e a ocultação da pessoa visada com o escárnio, características que José Cid manteve intactas na adaptação que fez do poema, cantando para uma mulher que até então se queixava do facto de um determinado trovador nunca a ter elogiado nas suas cantigas, ao mesmo tempo que manteve a ironia ao apelidá-la de “feia, velha e louca”.
Por mera curiosidade, transcreve-se na íntegra o poema original de João Garcia de Guilhade:

Ai dona fea! Fostes-vos queixar
Porque vos nunca louv' en meu trobar
Mais ora quero fazer un cantar
En que vos loarei toda via
E vedes como vos quero loar:
Dona fea, velha e sandia!
Dona fea! Se Deus me pardon!
E pois avedes tan gran coraçon
Que vos eu loe, en esta razon,
Vos quero ja loar toda via;
E vedes qual será a loaçon:
Dona fea, velha e sandia!
Dona fea, nunca vos eu loei
En meu trobar, pero muito trobei;
Mais ora ja un bon cantar farei
En que vos loarei toda via;
E direi-vos como vos loarei:
Dona fea, velha e sandia!

"Dona feia, Velha e Louca", trata-se de um tema pouco conhecido de José Cid, extraído de um dos seus mais raros discos, do qual apenas podemos encontrar em CD, a canção que dá título ao E.P. “ Lisboa, Perto e Longe”. As restantes canções ( “Dida”, “Dona Feia, Velha e Louca” e “Zé Ninguém” ainda estão para ver a luz do dia em formato CD.
“Lisboa Perto e Longe” da trilogia de EP's de José Cid após o seu primeiro LP a solo, é talvez o mais camaleónico dos três e aquele que e, termos de sonoridades musicais revela o lado mais multifacetado de José Cid, explorando quatro composições musical e tematicamente diferentes entre si. Neste tema concreto, destaca-se acima de tudo, para além da componente medieval, evidentes reminiscências do folclore tradicional, devido à escolha cuidada dos instrumentos, todos eles acústicos, que ilustram este poema.

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Madrugada na Praia deserta # 2

Depois de termos recebido mais de 20 comentários de diversos leitores relacionados com a última mensagem sobre ao novo disco de José Cid, na qual elaborámos a nossa humilde crítica, não podíamos ficar indiferentes ao acolhimento que a canção( por nós)escolhida para sua apresentação teve junto da crítica. Da nossa parte fica o agradecimento sincero a todos os que leram o nosso blogue e o regozijo de não termos defraudado as expectativas de todos aqueles que, de uma forma ou outra, compraram o disco influenciados pelas nossas palavras.
Não podemos também ficar indiferentes ao e-mail que recebemos dias antes, por parte da Rádio Miróbriga, a alertar-nos para o programa Atlântico, da autoria de Bruno Gonçalves Pereira, de dia 30 de Outubro. Contudo, devido aos nossos inúmeros afazeres, que nos têm impossibilitado de manter a actualização semanal do blogue a que nos tínhamos proposto, não nos foi possível anunciar atempadamente a emissão do programa, com direito a entrevista com José Cid e à versão original de “Madrugada na praia deserta”, excluída do disco, em favor da versão que apresentámos na mensagem anterior.
Por uma questão de justiça e como sabemos que a procura foi bastante, divulgamos aqui um excerto da canção, que nos foi facultada gentilmente por Luís do Ó, para que todos os leitores comparem as diferenças entre a primitiva versão e a versão definitiva. Justiça seja feita também a Ulisses Ulisses Silva,– vocalista dos K2O3 – compositor do tema, músico de Santiago do Cacém, a quem auguramos um excelente futuro como compositor.
Clique no Play para ouvir um excerto do tema retirado do programa Atlântico, que se encontra disponivel para audição na íntegra no blogue do programa ou através deste link : http://ooutrolugar.blogspot.com/2009/11/o-atlantico-ganhou-asas.html

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Coisas do Amor e do Mar - Madrugada na Praia Deserta


Sete anos depois do lançamento do último trabalho de originais, José Cid está de volta aos discos com “ Coisas de Amor e do Mar( disco que chegou a ter o título e capa provisória de “ Clube dos Corações Solitários do Capitão Cid”, claramente inspirado no homónimo dos Beatles, Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band) . Não temos pretensões de ser críticos musicais, mas sendo este blogue um espaço que visa revisitar toda a carreira discográfica de José Cid, desde o ontem, o hoje e o amanhã, não podíamos ser indiferentes ao lançamento de algo de novo de José Cid, quanto mais sabendo que desde 2002 ( com excepção de “ Ao vivo no Campo Pequeno” ) apenas proliferaram no mercado colectâneas, antologias e best off' de José Cid. Sob pena de o sucesso dos seus recentes concertos ao vivo não acompanhar o sucesso discográfico era pois imperioso que emergisse na discografia de José Cid algo de novo, que fizesse lembrar aos ouvintes mais distraídos que afinal o trabalho de José Cid não se resume apenas a velhos sucessos. Bem, pelo contrário; como já havíamos vaticinado num texto anterior, José Cid está para durar e em grande forma. Basta ouvir este disco para concluir dessa maneira.
Apesar de José Cid afirmar sem rodeios que “coerente era a minha avó”, ( frase estampada na t-shirt oferta que acompanha o disco) o certo é que, na nossa opinião, este disco é um dos mais coerentes que José Cid lançou nos últimos anos: Primeiro por se tratar de um disco com um fio-de-prumo assumidamente pop-rock, embora com algumas nuances de funky em algum temas ( nomeadamente no sublime “ Ele, Ela e a Cidade”,a nova versão de Telenovelas de 1996 ), depois por se tratar de um disco com uma produção cuidada no seu todo, conferindo-lhe assim uma homogenidade sonora e musical, uma vez que nada foi deixado ao acaso, gravado sem pressas desesperadas de finalização estética, e sobretudo, por se tratar de um disco conceptual, como todas as canções centradas na temática do amor e do mar. (Podemos mesmo dizer, com a certeza absoluta de que José Cid concordará connosco, que o novo disco de José Cid é o resultado da combinação explosiva daquilo que o amor e o mar nos podem oferecer quando conjugados entre si). E por fim, coerência que se manifesta também em termos de escrita, no qual José Cid vai buscar os suspeitos do costume no que toca à autoria das letras das canções: a poetisa Maria Manuel Cid, autores clássicos e contemporâneos como David Mourão Ferreira e Almeida Garrett, Ana Sofia Cid, e claro, o próprio José Cid.

Mais do que “ De Surpresa”, "Coisas de Amor e do Mar", surge-nos com um som fresco e actual por parte de um capitão Cid, nitidamente despreocupado com as pressões de fabricante de sucessos que outrora sobre si recaíam. No entanto, apesar dessa despreocupação, facilmente se poderão retirar cinco ou seis possíveis singles de sucesso imediato. Canções como “Todas as mulheres do mundo”, “+ um dia” ( genérico da telenovela da TVI Doce Fugitiva e single de apresentação do disco) e “Só eu tu e o vento” são disso um exemplo. Por outro lado, numa vertente menos comercial surgem-nos ligeiros desvios à coerência do disco, no reinventar de temas dos anos 90 como o já referido Telenovelas ( agora sobre o nome de Ela, Ele e a Cidade), "E por Vezes" ( em dueto com Susana Félix) e, sobretudo, o muito bem conseguido dueto com Luís Represas. Neste dueto, José Cid a bom tempo recuperou o tema “No meu veleiro”, com letra e música de sua autoria, primeiramente cantado pela desconhecida Paula em 1993 sob o nome de “No meu barquinho” e posteriormente por José Cid, sob o nome de “Mudança”, em 1994, do albúm “Vendedor de Sonhos”.
Com todo o respeito pelos outros convidados de José Cid no disco ( Susana Félix e André Sardet), a escolha de Luís Represas para interpretar em dueto “O meu veleiro”, para além parecer ser a única escolha possível, devido às caracteristicas da sua voz, culmina na sua versão definitiva, visto que o encaixe da voz de Luís Represas nesse tema atinge a perfeição, ao ponto de ser totalmente legítimo pensar até que poderiamos bem estar perante um tema retirado de um disco do próprio Luis Represas !

Há ainda, dois outros temas que destacamos do novo disco de José Cid e que, aconselhamos, caso o leitor compre o disco, a ouvir com a devida atenção: “É no silêncio das coisas”, não só pela música em si, mas sobretudo pelo belíssimo poema legado por Maria Manuel Cid, e “Madrugada na praia deserta”, tema que escolhemos para apresentar este disco aos leitores. Por quê,, pergunta o leitor ? Por varias razões: Em primeiro lugar, é o tema que esteticamente se destaca mais de todos os outros, com uma toada marcadamente rock sustentada num som de guitarra com os efeitos de reverbação e delay que fazem até lembrar um The Edge ( guitarrista dos U2). E,por outro lado, é neste tema que José Cid surpreende até mais cépticos em relação à frescura, joviabilidade e força da voz de um cantor que interpreta uma canção tecnicamente exigente, que muitos vocalistas de bandas jovens não conseguiriam interpretar da forma como José Cid o fez a caminho dos setenta anos. ( Aconselhamos mesmo os mais novos a não tentarem fazer o mesmo em casa., sob pena de poderem ficar com danos permanentes nas cordas vocais...)
Da nossa fica então o registo positivo do regresso de José Cid aos discos de originais, restando-nos aguardar agora pelo lançamento dos discos já gravados e ainda não lançados tais como “ O menino prodígio”, “Quem tem medo de baladas ?” “ Fados e Fandangos” e “Vozes do Além” ( o aguardado disco de rock progressivo, ainda em gravação ).



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segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Bodas de ouro

Numa altura em que os relacionamentos são tão fugazes e a dificuldade em manter relações duradouras (mesmo entre pessoas que se amam) é a regra dos tempos modernos, trazemos hoje ao nosso blogue uma canção, com letra e música de José Cid, que tem na sua base precisamente o oposto: A vivência em comum de duas vidas unidas numa só ao longo de mais de cinquenta anos. Nos tempos de hoje, a notícia da celebração de umas bodas de ouro, é um acontecimento que pode causar alguma estranheza, não só pelo facto de o amor estar cada vez mais desacreditado mas também porque, em virtude da (alegada) igualdade de oportunidades entre os sexos e do aumento das exigências de formação escolar e académicas das populações, os jovens tendem a casar-se cada vez menos jovens, numa misto de maturação e amadorismo à mistura no que toca à partilha de uma vida a dois. Cada passo é calculado e pensado ao pormenor, sendo cada momento de reflexão um momento inquietante de dúvidas e de incertezas que, aos poucos, se vão apoderando da mente dos amantes.
Muitas vezes a opção por uma vida a dois, quando chega a ser tomada, assume primeiro a forma de experimentalismo inicial, comummente designado por “ um viver juntos”, para só mais tarde se transformar num casamento em termos formais. Desta forma, quando o acto que legitima a celebração das bodas de prata ou de ouro acontece, já a finitude do tempo que nos limita nos obriga a fazer contas e a desafiar à nossa irremediável mortalidade se quisermos celebrar as bodas de ouro com alguém ao nosso lado. Se atendermos à idade em que as pessoas celebram hoje o (primeiro) casamento e à esperança média de vida dos portugueses, só podemos concluir que probabilidade de um cônjuge vir a celebrar os 50 anos de casado com o outro ainda vivo a seu lado, é realmente muito diminuta e a acontecer, será quase um autêntico milagre. É disso que José Cid nos falava já em 1979, quando gravou “Bodas de Ouro”, lado B do single “ Verdes Trigais em Flor” (Orfeu KSAT 673). Como já era hábito, os arranjos são de José Cid e de Mike Sergeant. Com a gravação de “Bodas de Ouro”, José Cid demonstra mais uma vez toda a sua versatilidade enquanto compositor e cantor, enveredando numa viagem pela música ligeira de extrema qualidade, ao mesmo tempo que gravava para o disco “Canta Coisas Suas” registos musicais de música popular, disco-sound ou baladas.
Para além do single referido, é possível encontrar a canção “Bodas de Ouro” no disco “Grandes Êxitos N.º2 “ e “Antologia # 2”.

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sábado, 22 de agosto de 2009

Pelos Direitos do Homem !

Depois de “Nunca mais é sexta-feira!” (disco que passou despercebido), José Cid lança ainda no mesmo ano, mas desta vez para uma outra editora, um outro disco que conseguiu suscitar mais interesse do que o certamente esperado. Isto porque o tema de abertura do álbum, igual ao nome com que José Cid baptizou o disco, era, sem sombra de dúvidas, bastante apelativo: “Pelos Direitos do Homem!”, canção que evoca, de forma geral, as violações dos direitos humanos perpetrados durante as grandes guerras e regimes ditatoriais e, em particular, o drama do Massacre de Dili, em Timor e consequentes tumultos que se seguiram entre as milícias Pró-Indonésia e os defensores da independência do povo de Timor-leste. Com a memória do massacre de1991 ainda bem presente e pelo protagonismo que a figura do então prisioneiro Xanana Gusmão inspirava em todo o planeta, enquanto guerrilheiro pela liberdade esperada do povo timorense, Pelos Direitos do Homem acaba por ser, não apenas um mero apelo ao respeito dos direitos humanos, mas também uma homenagem a todos aqueles que “ morreram indefesos e heróicos” vitimas de todos aqueles que promovem guerras e a dor universal”, em detrimento da paz dos povos. Não é por acaso, portanto, que breves referências a Auschwitz, ao Vietnam, à Sibéria e à prisão do Tarrafal, transformam os versos desta canção numa composição cheia de conteúdo à luz da tématica dos direitos do homem. Diga-se, aliás, que em relação à questão de Timor, os versos de Cid são bastante explícitos: “ E se eu fosse um guerrilheiro em Timor, que fuzilassem no alto da falésia/ Eu gritaria de raiva e de dor/ Viva Xanana, abaixo a Indónesia”.
Á semelhança de outros projectos, pois foram muitos os artistas que se uniram à causa timorense, José Cid, atento e pleno de oportunidade, também ele reuniu em sua casa, em Mogofores, Miguel Ângelo (Delfins), Sara Tavares, Olavo Bilac (Santos & Pecadores) e Inês Santos, para juntos cantaram cada um dos versos que compõem esta composição. Para os mais saudosistas, esta canção trata-se de um momento musical que, não se pode dissociar, pelas suas parecenças, com o de 1985, aquando da gravação do single“ Um abraço a Moçambique” que contou a colaboração de mais de uma dezena de artistas, incluindo José Cid, projecto que apelava a uma causa humanitária. Mesmo que em contextos e em épocas diferentes, “Pelos Direitos do Homem!” é uma canção terá que ser considerada necessariamente uma canção de intervenção, gravada numa época em que a liberdade em Portugal, pelo menos de forma aparente, ainda se mantém em Portugal.
Fazendo parte de um disco atípico de José Cid, em que metade dos temas são versões de alguns dos mais conceituados artistas portugueses (como Pedro Abrunhosa, Sérgio Godinho ou Pedro Ayres Magalhães) Pelos Direitos do Homem! ( CD RCA 74321 1350032, também disponível em K7), é uma boa excepção à sonoridade predominante no resto do disco, marcado pelo predomínio das programações rítmicas e sequenciações de Rui Vaz e Francisco Martins. Pelo conjunto de todos os instrumentos tocados, a até pelo lado mais gospel que o seu refrão nos oferece, cremos que a canção Pelos Direitos do Homem !, é a referência e escolha natural para apresentarmos aos nossos leitores enquanto amostra desse trabalho musical de José Cid
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sábado, 8 de agosto de 2009

Na manhã do meu viver

Imediatamente a seguir ao sucesso de José Cid no Festival Eurovisão da Canção de 1980 a sua produção discográfica não se manifestou através da gravação de discos de originais. Nesse ano foram lançados para o mercado o duplo LP “ Os grandes, grandes sucessos de José Cid” ( da Orfeu), bem como a colectânea autorizada pela Valentim de Carvalho à etiqueta brasileira Arlequim, simplesmente denominada “José Cid”( que reunia igualmente alguns dos sucessos de José Cid e dois inéditos ) De igual modo, no ano seguinte, apesar do lançamento do single "Um rock dos bons velhos tempos", optou-se pela mesma linha do ano anterior, com o duplo L.P. “ Grandes Êxitos N.º 2”, que, no fundo, mais não era do que a continuação da colectânea de 1980, embora com a inclusão de alguns temas inéditos. Dessa forma, o regresso de José Cid ao discos de originais só sucedeu em 1982, com o álbum “ Magia” ( Orfeu, FPAT 6020), com arranjos repartidos entre os suspeitos do costume ( José Cid e Mike Sergeant) e ainda Shegundo Galarza, conhecido maestro ( pai do baterista Ramón Galarza) que pontualmente cuidou da direcção artística de alguns dos temas de José Cid nos anos 70 e 80 e, em especial, neste disco.
Com excepção da bonita balada “ Desencontro”, que na altura teve alguma divulgação e sucesso, podemos dizer que “Magia”, não foi, comercialmente, o disco com mais sucesso de José Cid, uma vez que no seu alinhamento não vinha incorporada qualquer canção pop/rock que pudesse transpôr as barreiras rumo ao sucesso. “Magia”, apesar de se considerar um disco de musica ligeira com suaves tendências pop/rock, é, acima de tudo, um disco com um carácter pouco comercial, se atendermos ao alinhamento das canções, quase todas elas calmas canções de amor, sem grandes desenfreadas correrias rítmicas e sem artificios de estúdio. Bem pelo contrário; a predominância do piano de José Cid atravessa quase todo o disco, unido à sua voz, que pela primeira vez, evidencia um José Cid envolto num romantismo jamais evidenciado num LP até então. Os títulos das canções são todos eles sugestivos e a escolha de Shegundo Galarza para conduzir os arranjos (orquestrais) de quatro dos dez temas que compõem o alinhamento do disco, aprofundou ainda mais o romantismo daquele registo musical. Inconscientemente ou não, “Magia” acabou por surgiu em plena década de 80, completamente ao arrepio das expectativas que eram depositadas em José Cid após a sua participação no Festival Eurovisão da Canção. Para quem ansiava pular e saltar com aquele disco, tal não passou de uma autêntica desilusão. No entanto, para aqueles que preferiam uma nova viragem discográfica de D. Camaleão, “Magia” acabou por ser o início das constantes mutações nas roupagens musicais que José Cid foi vestindo e despindo ao longo de toda a década de 80.
“Magia”, não viu até hoje a sua reedição em CD, estando, no entanto já assegurada a total transposição das canções deste disco em formato digital em várias colectâneas, nomeadamente através das Antologias “Nasci para a música” e “Antologia # 2”. A título meramente exemplificativo, deixamos hoje ao ouvinte, um excerto da canção “ Na manhã do meu viver”, composição que apesar de ter sido incluída antes como inédito no duplo LP “ Grandes Êxitos N.º 2”, viu também sua inclusão no álbum “Magia” mais do que justificada pela temática que gira em torno deste disco. Trata-se, conforme já se aflorou em mensagem anterior, de uma canção sucedânea de “ Springtime of my life” ( versão em inglês de “Na manhã do meu viver” ), escrita e gravada sensivelmente um ano antes em Los Angeles para a editora Family e que, curiosamente, só após o lançamento de Magia, veio a ser incluída num disco de José Cid ( mais concretamente “ Portuguesa Bonita”, de 1983). Para além dos já referidos “Magia” e “ Grandes Êxitos N.º 2”,Na manhã do meu viver” pode ser encontrada em excelente qualidade sonora na “Antologia # 2”.

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quinta-feira, 30 de julho de 2009

Amor é fogo que arde sem se ver

Ironicamente a década de 90 coincidiu com o período temporal em que mais discos de José Cid foram lançados para o mercado. No entanto, contrariamente ao que se podia prever, após o mega êxito de "Cai Neve em Nova York" de 1989, o percurso musical de José Cid daí para diante esteve longe de atingir as luzes da ribalta. Discos menos comerciais, em nada consonantes com a fábrica de sucessos anteriormente construída nos anos 70 e 80, sucederam-se uns atrás dos outros, num total de oito. Não estranhou por isso que, em termos discográficos, José Cid findasse o anterior milénio com o lançamento de mais um álbum discreto, à semelhança de todo o seu percurso musical durante essa década.
Se é uma verdade indiscutível que a (ainda pouco) falada marginalização de José Cid (e da música portuguesa em geral), ocorrida nas rádios portuguesas no início dos anos 90, contribuiu para o fracasso comercial dos seus discos, não deixa de ser também menos verdade que a opção de José Cid por uma vertente musical menos sedutora para o público em geral foi também um factor decisivo para que alguns dos seus discos (de imensa qualidade) tivessem ficado arredados do conhecimento da crítica. E note-se que falamos de alguns dos mais belos trabalhos musicais de José Cid; para além do já falado “Camões, as Descobertas e Nós” de 1992, que particularmente admiramos, há que realçar ainda o disco “ Entre Margens” de 1999 (205 OVCD), registo sonoro ancorado, na sua grande maioria, em sonoridades musicais que se entrelaçam com as nossas raízes mais puras, sem, contudo, deixar de lado o toque da modernidade que sempre caracterizou os discos de José Cid.. Canções como “ S. Salvador do Mundo”, e “Fandangueiro à luz da Lua” são exemplo de uma busca de José Cid pelo recordar das nossas lendas e tradições, recorrendo aos sons das guitarras de Coimbra, ao acordeão, ao sapateado, à viola, conjugados ainda com a sua própria voz que, plena de fado, consegue transmitir ao ouvinte a nostalgia que vai cantando ao longo do disco. Também através dos poemas emprestados de iminentes escritores como David Mourão Ferreira, Fernando Pessoa, Natália Correia, Luís de Camões e os espanhóis Pablo de Neruda e Rosália de Castro, é feita simultânea homenagem aos poetas e temáticas que ao longo dos anos têm influenciado José Cid nas suas canções. Por essa razão, “Entre Margens” apresenta-se como um disco que transporta consigo um misto de sentimentos dispersos, como a saudade, a nostalgia, a portugalidade, a fé, a esperança e, evidentemente, o amor. Apesar de dispersos, todos eles têm em comum o facto de mergulharem na sonoridade única dos sons da nossa terra, sendo essas composições as que ainda hoje, quando José Cid se reúne com os “Sons do Centro”, as que constituem a grande maioria do reportório dos seus espectáculos.
É sobre o amor, temática inalienável das nossas vidas, que nos debruçamos hoje, ao elegermos para apresentação do disco o conhecidíssimo poema de Luís de Camões “ Amor é fogo que arde sem se ver”, numa interpretação despida de arranjos sumptuosos, antes sim com recurso aos tímidos sons do piano e sintetizadores (de José Cid) e ao contrabaixo, guitarras eléctricas e acústicas ( de Francisco Martins, colaborador habitual de José Cid nos anos 90) num registo que, apesardespida de complexidade, não deixa de se enquadrar no lado mais intimista daquele disco. Não sendo fácil cantar Camões, mais difícil se torna necessariamente musicar a lírica camoniana, pelo menos a julgar pelos registos musicais que nos têm chegado até aos dias de hoje das interpretações da poesia de Camões. Apesar de tudo, cremos que a adaptação musical de José Cid de um dos poemas mais conhecidos de Luís de Camões, resultou muito bem, sendo um excerto desse tema que hoje partilhamos com o leitor.

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segunda-feira, 6 de julho de 2009

Mosca Super Star

Em Novembro de 1975, em Tókio, Japão, José Cid participa pela segunda vez (enquanto intérprete) no célebre World Pop Music Festival, com a versão original de “Ontem, hoje e amanhã”, (“ Yesterday, Today and tomorrow”), no qual obteve o honroso 9.º lugar, participação essa que lhe valeu ainda o reconhecimento com um dos prémios Outstanding Song Awards do Festival, enquanto “composição notável”. O brilharete de José Cid impunha, pois, o lançamento imediato de um single no mercado português que reflectisse o sucesso da sua participação. Apesar de José Cid ter escolhido a língua inglesa para se apresentar em solo nipónico, o single que saiu para o mercado em Março de 1976 acolheu no seu lado A a versão portuguesa de “Ontem, hoje e amanhã” (Decca SPN 199 G), com uma apelativa e sugestiva referência na capa “ Canção Vencedora do Prémio Outstanding Composion no Festival de Tóquio de 1975”. Naturalmente, tratou-se de um dos discos de José Cid que mais unidades vendeu na sua carreira, fazendo ““Ontem, hoje e amanhã” parte de um grupo limitado de refrãos de canções que a grande maioria dos portugueses conhecem.
No entanto, o mesmo já não se pode referir em relação ao lado B do single, “Mosca Super- Star” que permanece quase que desconhecida do grande público. Ao trazermos hoje “Mosca Super-Star” estamos também a recuar ao início de 1976, ano em que José Cid funda o grupo Cid, Scarpa, Carrapa & Nabo ( com Guilherme Inês, Carrapa e Zé Nabo ) Infelizmente, essa formação foi uma das mais efémeras formações da história do rock sinfónico-progressivo português, tendo apenas gravado duas composições: “Mosca Superstar” e a “Vida” ( Sons do quotidiano)”, durante o ano de 1976, antes da transição de José Cid da Valentim de Carvalho para a editora Orfeu. Na nossa opinião, Mosca Super-Star é uma das melhores composições de José Cid, na qual este, mesmo recorrendo a sonoridades com evidentes reminiscências de rock psicadélico-progressivo dos anos 70, tem ainda o propósito de lançar mão de uma crítica satírica aos sucessivos governos de transição após o 25 de Abril e à consequente mudança para o mesmo rumo de onde se partira. “Foram-se as moscas embora/fiquei sentado na mesa/mas só as moscas mudaram/pois a comida é a mesma”. Mesma opinião partilhamos em relação ao E.P. “Vida”, sobre o qual nos debruçaremos numa outra oportunidade.
De forma incompreensível, a colectânea de 2006 da EMI “Grandes Êxitos” inclui o tema "Mosca Super-Star" com um som trituradamente abafado, ao ponto de eventualmente o ouvinte poder pensar tratar-se de uma gravação retirada directamente de uma cassete com as fitas amolecidas , depois de muitos anos de exposição ao Sol na bagageira de um carro. Enquanto “Mosca Super-Star” não aparece em formato digital com uma qualidade sonora que se aceite, limitamo-nos a colocar um excerto da nossa versão, retirada directamente do vinil, que ainda assim, supera em muito, em termos sonoros, a versão digital.

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sábado, 13 de junho de 2009

Não Convém

A temática dos contrastes civilizacionais tem sido frequentemente cantada em Portugal pelos mais diversos músicos, nomeadamente a partir dos anos 70, década em que, de forma mais sistemática, a verdade nua e crua do estado da nossa civilização passou a estar presente na grande generalidade dos discos lançados para o mercado. Até então aos músicos, nitidamente marcados pelo cenário de um Portugal composto maioritariamente por mulheres vestidas de negro e com um regime político repressivo da liberdade de expressão, pouco restava senão lançar para o mercado discos que manifestamente se destinavam a entreter o povo. Repetidas vezes se ouvia a história do passarinho da ribeira, da Mariazinha que ia à fonte, das memórias de Alfama antiga, ou simplesmente do triste fado que nos perseguia, Sem querer subvalorizar o interesse que atribuímos a esses discos, maioritariamente E.P.'s (que hoje constituem, sem dúvida, a memória dos “sons do nosso antigo quotidiano”) a verdade é que a audição de todos eles jamais poderia conduzir o pensamento do ouvinte para além do significado literal que o próprio título dessas canções incorpora. Vivíamos, com efeito, no tempo da mula da cooperativa e da Rosinha dos Limões, e nada mais parecia haver a fazer quanto a esse facto. Nem as novas tendências yeh yeh se atreviam a desmentir a realidade. Foi preciso, portanto, esperar bastante tempo para que os músicos mais destemidos, de uma forma mais ou menos clandestina (conforme os casos), conseguissem transpor para disco a verdade do Mundo de contrastes em que vivíamos ( e vivemos...), bem como a realidade do próprio Portugal desigual que se escondia por debaixo dos títulos das canções. Com o passar dos anos, e com a liberdade de expressão a ela associada, a temática do contraste entre ricos e pobres, foi naturalmente passando para o universo dos temas normais, e até recorrentes, das canções que a pouco e pouco vão ajudando a construir a própria história da música popular universalizada, de tal forma que hoje a sua aparente banalização acaba também por contribuir para que ninguém repare nelas.
No entanto, também José Cid abordou, em 1971, de forma sublime, esta temática de contrastes entre pessoas que vivem no mesmo mundo mas em condições tão diferentes. Fê-lo, não se limitando a disparar apenas numa determinada direcção, optando antes por recorrer à ironia e também ao apelo à sua própria história de vida, enquanto membro descendente de famílias abastadas de raízes aristocráticas. Para além disso, de forma muito subtil, acrescentou-lhe ainda um outro contraste: o geracional. Através de “Não Convém”, tema de abertura do seu primeiro LP a solo, José Cid aborda as grandes diferenças entre aqueles que, em termos abstractos, teriam tudo para ser os mais felizes do mundo num Portugal economicamente pobre e aqueles outros que não tinham qualquer forma de sobreviver dignamente por esse Mundo fora. José Cid transporta-nos, portanto, para o interior das rotinas e peculiares preocupações de um homem detentor de um palácio, com um iate, um Ferrari e um Rolls Royce, que se dava ao luxo de poder passear todos os dias na Lapa e no Estoril, com duzentas notas de mil. Todavia, apesar de todo esse luxo poder sugerir uma aparente felicidade, o certo é que José Cid não nos conta a história de um homem feliz consigo próprio, bem pelo contrário: as suas interrogações confundem-se com a sua própria revolta interior, não sendo por isso de estranhar que cante o verso“ dás-te ao luxo de também teres solidão”, numa primeira alusão à condição de um homem isolado do mundo real, que apenas ia tendo conhecimento do que se passava “lá fora” através dos jornais. Nem as suas companhias mais chegadas, nomeadamente o seu pai e amigos, estavam preparados para responder às inquietações de um homem com o pensamento notoriamente conturbado pela sua luta interior: nunca mais representar um papel, vestindo a máscara, segundo os parâmetros de riqueza a que fora ensinado a obedecer. É de facto a consciência da vontade de conhecer o outro lado do mundo em que habita que leva o Artista a cantar os seguintes versos : Porém pelo Mundo fora/ há tanta gente que sofre/há tanta gente com fome, solidão/ enquanto tu te passeias/Por Londres ou Chamonix/O Inverno no Algarve ou no Japão/ Pura e simplesmente ignoras/ o que se passa no mundo/ E manténs-te a par de tudo/ pelo que lês nos jornais/ E nada mais, nada mais/ Que mais podes tu fazer? / Perguntas tudo ao teu Pai/ que te não vai responder/ pois não lhe convém/nem convém/ a ninguém”. Mais do que simples constatações de desigualdades entre seres humanos, o Artista oferece-nos também a visão de alguém que, querendo encontrar respostas, é esbarrada na perene afirmação “
Não Convém...nem convém a ninguém...”.
Quase quarenta anos passados já sobre a gravação dessa canção, parece-nos que, sem dúvida, a mesma ainda se mantêm perfeitamente actual. Não querendo em outras considerações que não as meramente musicais, a verdade é que ainda hoje há muita coisa cuja resposta não convém ouvir, mesmo a ninguém. Obviamente que, num Portugal antigo, como era o anterior à Revolução de Abril, não convinha, pelas mais diversas razões, dizer muita coisa, nem sequer ousar pensar. O próprio José Cid, ora a solo, ora com o Quarteto 1111, sentiu bem a força da comissão de Censura Política, quando viu muitas das suas letras e canções serem proibidas pelo Antigo Regime.
Apesar de tudo o que já se referiu sobre essa canção “Não Convém” termina brilhantemente a alusão a uma nova atitude de do personagem da canção, perante tudo o que o rodeava, que a leva a assumir, em jeito de confissão, que, afinal, vivia apenas representando a sua condição de homem rico num país conservador, vivendo de aparências, quando na verdade, já ouvia "Em Órbita" do Rádio Clube Português, em contraste com os seus amigos que, certamente, passavam muitas das tardes a ouvir Emissora Nacional: "
Um certo domingo à tarde/ No sofá do living/ Estás a ouvir “Em Órbita e a pensar/ Os teus amigos chegaram/Não pertencem ao teu Mundo/ Decidiste nunca mais representar.”
“Não Convém”
é, pelas suas palavras e pela beleza proveniente da brilhante orquestração de Pedro Osório, uma das canções que aconselhamos vivamente os leitores a escutarem.
Enquanto a editora que detêm os direitos de comercialização das canções não reedita em CD o primeiro LP de José Cid (que cada vez apreciamos mais e ao qual forçosamente teremos que voltar num futuro próximo), partilhamos com os leitores um excerto da canção, retirada directamente do nosso single “ D. Fulano/Não Convém” (8 E 006 – 40144), cujo vinil assume já contornos de raridade, tanto mais que a única versão que conhecemos é a versão “angolana”, não nos tendo sido nunca reportada a existência de qualquer versão portuguesa desse single. Curiosamente, apesar de ter sido tema de abertura do álbum “José Cid (Palha)”,Não Convém” figurou apenas como lado B do single de apresentação do disco, “ D. Fulano/Não Convém” e não como lado A, como justamente merecia... Talvez porque não conviesse a ninguém...

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segunda-feira, 1 de junho de 2009

Un grand, grand amour

Não se pense que a nova tentativa de internacionalização de José Cid, após a sua participação no festival da Eurovisão da Canção, se ficou pela versão em inglês do tema “ Um grande, grande amor” ( We'll meet again). Na verdade, para além de meses mais tarde ter lançado para o mercado o LP “My music” (com grande sucesso no mercado australiano, facto que mais para a frente analisaremos), José Cid não hesitou em lançar para o mercado francês, aquele que é, até à presente data, o seu único single no qual canta um tema em francês: “Un grand, grand amour”, precisamente a versão do tema que José Cid levou ao Festival Eurovisão meses antes ! A outra face do disco, é preenchida, mais uma vez, pelo tema “Barbara”, tema este que, aliás, foi sempre o escolhido por José Cid para figurar como lado B em todos os singles que conhecemos do tema “Um grande, grande amor”.
Certamente também que muitos dos ouvintes que antes se surpreenderam com a versão inglesa de “Um grande, grande amor”, estranharão agora José Cid cantar num idioma que, pelo menos em termos de registos fonográficos do Artista, é de todo desconhecido pelo grande público. Contudo, a relação de José Cid com a língua francesa (apesar de ter manifestamente menos peso comparativamente com a sua relação com a língua inglesa ) não lhe é totalmente estranha. Com efeito, apesar de até 1980 José Cid nunca ter gravado em francês, já duas décadas antes, em 1968, Cid compôs para Tonicha dois temas em francês, que esta gravou no seu E.P. “Tonicha Canta Canções de José Cid” : La Mansarde" e "Emporte-Moi Loin d'Ici”. Por outro lado, também nos longínquos tempos idos de José Cid em Coimbra, com a Orquestra Ligeira do Orfeon Académico, era frequente José Cid cantar versões de temas ( da chanson) em lingua francesa.
Apesar de não ser um facto muito divulgado, também consta que, com o Quarteto 1111, José Cid também terá gravado em francês, pelo menos a julgar pela banda sonora( não editada) do filme “O Cerco", de António da Cunha Telles, onde se ouvem composições do Quarteto 1111 em francês. De qualquer das formas, para a história como uníco registo em francês de José Cid, fica então “ Un grand, grand amour”, com letra de José Cid em parceria com André Cleargeat e orquestrações de Mike Sergeant, como não podia deixar de ser.
A versão francesa de “Um grande, grande amor”, foi editada em 1980, pela etiqueta Vogue ( VG 108 -101318- que já antes havia editado “Portugal, Portugal, Portugal/ Olinda, A Cigana”). Esta versão, enquanto single, não teve grande expressão em termos de vendas, leia-se sucesso, não deixando,contudo, de configurar mais uma curiosidade da carreira discográfica de José Cid que nos apráz salientar.

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sábado, 30 de maio de 2009

We'll meet again

Ao longo de mais de 40 anos de registos musicais, têm sido imensas as participações de José Cid nos Festivais da Canção, seja como interprete, seja como compositor. Por essa razão, José Cid pode vangloriar-se de ter sido, até ao momento, o músico que mais vezes participou nesse festival. Contudo, não podemos dizer que os resultados tenham sido sempre os esperados e os mais merecidos. Sem desconsiderar outras brilhantes canções (irremediavelmente melhores que algumas das canções que José Cid apresentou no Festival da Canção) ainda hoje muitos críticos tentam compreender, por exemplo, como é que “ No dia em que o rei fez anos” não ganhou o Festival da Canção de 1974, ou porque razão o tema “ Vinte anos”, nem sequer foi aceite para a selecção final do Festival da Canção de 1973. Reflexo ou não de alguma dose de injustiça, José Cid tem sido o campeão dos segundos lugares no Festival da Canção, situação que, aliás, é ironicamente retratada na colecção de banda desenhada Pop Rock Português”, da recente edição Tugaland de 2008.
Todavia, em 1980 (uma vez que o Destino, enquanto não se consolida, também é susceptível de mudança), José Cid alcança finalmente o primeiro lugar do Festival da Canção, cantando "Um Grande, Grande, Amor", com letra e música de sua autoria e brilhantes orquestrações de Mike Sergeant. Na verdade, com o tema “ Um grande, grande amor” tudo parecia estar encaminhado para que finalmente Portugal pudesse suspirar por um desfecho mais favorável na Eurovisão, capaz de superar o 7.º lugar de Carlos Mendes em 1972. Efectivamente, pese embora a banalização que “Um grande, grande amor” alcançou posteriormente, o certo é que em pleno ínicio da década de 80 José Cid apresenta no Festival da Eurovisão um tema provido de um beat rapido, uma semi mescla de rock vertido na ligeireza de disco sound com arranjos esmerados e, como tal, perfeitamente enquadrável no ambiente de festa da Eurovisão e da (suposta) linguagem universal que esses festivais transbordam...A própria letra da canção é um reflexo dessa linguagem universal, pela utilização de um refrão em várias idiomas ( português, inglês, francês e alemão), no qual José Cid nos primeiros versos canta: “Adio, adieu,auf wiedersehn, good bye, Amore, amour, mein liebe, love of my life “.

Numa altura em que, a transmissão dos Festivais Eurovisão da Canção, ainda tinha um significado especial para a população europeia em geral e para a portuguesa em particular, foram milhões de telespectadores que não arredaram pé de frente do televisor e que assistiram à vitória do irlandês Johnny Logan, no 25.º Festival da Eurovisão da Canção de 1980, realizado em Haia, no dia 19 de Abril de 1980. A canção vencedora chamava-se “ What's Another Year”, uma balada romântica, que no final da votação do jurí totalizou 143 pontos. Em relação à participação portuguesa, José Cid, quedou-se pelo 7.º lugar com 71 pontos.
Apesar de um sétimo lugar poder ser considerado um resultado brilhante para qualquer artista no âmbito do Festival Eurovisão da Canção, o certo é que, após o terminus do festival, se constatou um sentimento de elevada injustiça na classificação portuguesa. Com efeito, para além da evidente inferioridade de muitas das canções que ficaram à frente da canção portuguesa, foram também muitos os concorrentes que nos bastidores davam José Cid como o candidato favorito à vitória final. Por mera curiosidade, retiramos um excerto de um artigo da imprensa da época sobre o referido festival que ilustra de forma simples e precisa o ambiente de desilusão e as eventuais causas do “ fracasso” de José Cid na Eurovisão de 1980 “ Segundo o próprio José Cid, aquela semana de convívio com o pessoal do Festival da Eurovisão de 1980, terá sido o mais importante triunfo da sua notável carreira artística. Muitos diziam, desde o primeiro momento, que ele seria o vencedor indiscutível e em boa verdade, se não fossem os bens conhecidos jogos de bastidores sujeitos aos altos trusts internacionais das empresas gravadoras, na realidade José Cid seria o indiscutível vencedor do Eurofestival de 1980. Mas o talento e o trabalho profícuo pouco valem perante certos interesses... José Cid não ganhou o Eurofestival de 1980, mas foi, sem dúvida, o maior da Europa... Quem é capaz de o pôr em duvida ?
Já após o sétimo lugar de José Cid, já Lúcia Moniz em Oslo no ano de 1996, alcançou um brilhante sexto lugar, embora com um registo musical totalmente diferente. No entanto, com o passar dos anos, e com a mudança total das regras do Festival da Eurovisão, a verdade é que as possibilidades de Portugal alcançar uma classificação superior ao 6.º lugar de Lúcia Moniz, serão cada vez mais remotas. Com a crescente tendência para que concorrentes ao Festival se apresentem a concurso com canções cantadas noutras línguas, nomeadamente o inglês, ( facto que já ocorreu com a participação portuguesa de 2005) , uma pergunta se coloca necessariamente: Qual teria sido a classificação de José Cid caso o mesmo tivesse cantado a canção “ Um grande, grande amor” em inglês, em detrimento do português ? Não sabemos. Cremos que, devido aos interesses subjacentes a tão famoso festival, que jamais Cid teria ficado em primeiro lugar embora seguramente muito acima do 7.º lugar alcançado. ( Não fosse o Destino de José Cid bater-lhe à porta e alcançaria mais um segundo lugar.... )
Contudo, facto menos conhecido da generalidade dos apreciadores de José Cid, é que, após o êxito do festival, e visando mais uma tentativa de internacionalização, o Artista gravou uma versão em inglês da canção um “Um grande, grande amor”, distribuído pela etiqueta alemã Jupiter Records, com o renovado título de “ We'll meet again/Barbara” ( Jupiter Records – Gema – 132 035). Na nossa opinião, e com o devido respeito pela nossa amada língua portuguesa, “We'll meet again” é talvez a versão definitiva de “Um grande, grande amor”, na medida em que o ouvinte à medida que percorre os quase quatro minutos de “We'll meet again”, jamais poderá associar esta canção a uma versão de uma canção anterior, bem pelo contrário: "We’ll meet again" apresenta um som fresco, com uma mensagem manifestamente universal. Nunca a utilização da língua inglesa por parte de José Cid teve tanto impacto numa canção senão em “We'll meet again”, na qual os afinados e poderosos coros a ajudam a tornar-se perfeita.”. Não temos dúvida em afirmar que se “We'll meet again” tivesse feito, por exemplo, parte do reportário dos ABBA, ou de outros grupos de entretenimento dos anos 80, que o conhecimento por parte do público desta canção seria irremediavelmente outro. Como assim não sucedeu, “We'll meet again” continua a ser uma das canções de José Cid menos conhecidas dos portugueses, e cuja edição em CD ainda não existe, nem estando sequer prevista uma qualquer data ou projecto, para inclusão desta canção em qualquer projecto relacionado com a discografia de José Cid. Da nossa parte, resta-nos através deste honesto artigo de opinião, contribuir para o seu não esquecimento.
( Fotos alusivas à participação de José Cid no Festival da Canção em Haia, 1980)

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sábado, 16 de maio de 2009

Springtime of my life

A relação de José Cid com a cultura musical anglo saxónica é demais evidente, não tivesse sido nela que José Cid colheu parte da inspiração para os seus primeiros sucessos enquanto compositor. Contudo, José Cid não se limitou apenas a transpor para a música portuguesa os padrões da cultura pop rock, criando também composições que exploravam as temáticas seculares da tradição popular portuguesa. Os primeiros singles e EP's do Quarteto 1111 são disso um exemplo, onde temas como “Balada para D. Inês”, ou a “Lenda de El Rei D. Sebastião” se encaixavam perfeitamente no estilo de versos então toleráveis pela Censura. No entanto, e na sequência do que já aqui escrevemos anteriormente, José Cid, devido ao perfeito à vontade com que compreende a mensagem da canção pop rock, é também um cantor que interpreta como ninguém as canções escritas em língua inglesa. Não estranhou por isso, que em 1970 gravasse, pela primeira vez, uma canção em inglês ( Back to the country), experiência que viria a repetir, mais tarde, no início da década de 80, bem como no inicio do novo milénio, com algum reconhecimento pela crítica portuguesa e, sobretudo, pela internacional.
Springtime of my life” foi uma das canções que José Cid gravou em inglês e que só recentemente, em 2006, foi incluída em formato CD na colectânea “Antologia Vol. II.” Trata-se de uma balada que José Cid gravou no inicio dos anos 80, em Los Angeles para a editora Family, com produção de Mike Gold ( produtor que antes trabalhara com Frank Sinatra, entre outros), no seguimento da apresentação do seu anterior trabalho “ My Music”, todo ele também interpretado em inglês.
Ao longo dos anos, embora não de uma forma totalmente errónea mas quase sempre de forma redutora, José Cid tem sido considerado como uma espécie de Elton John português, opinião que não partilhamos, por sabermos que aqueles que assim o consideram, quase sempre o fazem partindo de um pressuposto (errado) de que, tanto Cid como Elton John, se resumem a cantores românticos e meros criadores de baladas de audição fácil. Apesar de não acompanharmos os discos mais recentes de Elton John, não deixaremos de considerar como excelentes os magníficos albuns deste último como “Honky Chateau”, “Empty Sky” ou o mundialmente conhecido “ Goodbye Yellow Brick Road”, através dos quais Elton John se junta ao grupo de cantores dos anos 70 que, de uma forma mais ou menos conseguida, conseguiram abrilhantar o glamour do rock and roll, oferecendo-lhe uma dimensão definitivamente mundial.
Apesar do nosso desacordo com a analogia total entre Cid e Elton Jonh, não podemos ficar indiferentes à canção Springtime of My Life (José Cid/Mike Sergeant), na qual as parecenças entre os dois cantores são demais evidentes, nomeadamente no timbre de voz de José Cid, que ao cantar “Springtime of My life” acaba por ancorar na construção típica das canções que Elton John tem habituado os seus seguidores nos últimos anos. Na verdade, tendo este último abandonado definitivamente o rock&Roll esgalhado de “ All the girls love Alice”, em favor de baladas mais suaves, é de todo legítimo que, por breves momentos, os seguidores dos dois artistas possam comparar e até associar os dois músicos a uma determinada cultura musical específica. Com efeito, não só o próprio percurso musical dos dois foi relativamente idêntico (começaram a gravar sensivelmente na mesma altura), como também ambos estiveram presentes no Festival de Vilar de Mouros em 1971, tendo ainda ambos escrito belas canções rock ou pop rock, para além das indissociáveis parecenças físicas que entre os dois muitas vezes são referidas... No entanto, cremos que as semelhanças se ficam por ai, uma vez que Elton John não gravaria um disco de fado, de rock progressivo, de musica folk, ou um disco cantado numa outra língua; a versatilidade de José Cid permitiu-lhe ter simultaneamente uma dimensão de camaleão e de dinossauro, enquanto que Elton John, por se ter mantido quase que sempre fiel ao seu género musical, apenas se pode considerar um dinossauro da música mundial (... e já não é nada pouco!).
Não querendo parafrasear por demais as palavras do Artista, mais uma vez relembramos neste blogue a famosa frase de José Cid, que farto de comparações disse: “ Se Elton John tivesse nascido na Chamusca, não teria tanto sucesso como eu”. A verdade é que jamais saberemos se tal facto seria verdade ou não. Apenas podemos dizer que quem ouve uma canção de José Cid cantada em inglês (por exemplo, aleatoriamente, uma canção do disco “My Music” ) e a compare com uma canção de um ou outro grande artista estrangeiro, jamais poderá dizer que as musicas de Cid são de qualidade inferior, bem pelo contrário. “Springtime of my life” não foge à regra das canções que teria feito sucesso necessariamente no estrangeiro se tivesse sido cantado por um David Bowie, Brian Ferry ou, acima de tudo, por um Elton John.
Pouco tempo mais tarde, a versão portuguesa de “ Springtime of My life”, foi incluída no álbum “Magia” de 1982, com o título de “ Na manhã do meu viver”. Curiosamente, em 1983, aquando da elaboração da colectânea “Portuguesa Bonita” ( 1983 - Orfeu FP 6022), que compilava no mesmo disco canções do albúm “ Canta Coisas Suas” e “Magia”, a versão escolhida para figurar no disco ( tanto na edição portuguesa, como na edição americana), foi a versão cantada em inglês, em detrimento de “Na manhã do meu viver”, cantada em português. Pensamos que, caso a intenção da editora ao lançar para o mercado o LP “Portuguesa Bonita” fosse a de elaborar um espécie de “best of”, então nesse caso, a escolha pela versão inglesa, talvez tenha sido a mais acertada.
É do LP “Portuguesa Bonita” de 1983, versão americana, distribuído pela Editora Henda Records (Henda Records 447), sob licença de Rádio Triunfo, que retiramos o excerto de “Springtime of My life”, para partilha com os nossos leitores. Espero que descubram diferenças, embora admitamos, dando o braço a torcer, que será difícil.

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sábado, 9 de maio de 2009

No tempo em que Toninho lanchava c' os amigos na Pastelaria S. Bento

Se no lado A do single "Portugal É..." (1975, Decca SPN 182) José Cid explora a sua capacidade em aproveitar os sons galácticos emanados do sintetizador e do seu mellotron, já no lado B José Cid deixa a cargo de Mike Sergeant a tarefa de abrilhantar a canção “ No tempo em que o Toninho lanchava c'os amigos na Pastelaria S. Bento”, criando um rock sarcástico, irónico, seco mas divertido, onde o som de slide guitar e “lead guitar” do músico escocês se cruzam perfeitamente com a voz trabalhada de Cid, que nos conta a história de um certo Toninho,o qual, durante muitos anos, conviveu com os seus amigos na “Pastelaria de S. Bento”, numa clara alusão à figura de Salazar e seus assessores. É pois a ironia, conjugada com voz propositadamente enfraquecida de Cid, que eleva o lirismo desta canção a um patamar nitidamente superior. A consistente caracterização de Toninho enquanto um fóssil muito fóssil e simultaneamente pouco dócil, está bem vincada no refrão da canção, remetendo a memória do ouvinte para a figura de um chefe de estado com saúde nitidamente enfraquecida, de voz dócil mas que ao mesmo tempo tomava medidas pouco dóceis de proteccionismo, em abono de um ideal de imperialista que, em abono da verdade, já não era partilhado por muitos, senão por aqueles que os rodeavam, os tais amigos da Pastelaria “ S. Bento” que a tudo diziam que sim. Os primeiros versão da canção são disso um exemplo: “Reuni esta assembleia/ para lhes propor um ideia/ que ainda hoje me ocorreu há pouco tempo:/ Mandem enjaular a besta/ que se atreva a dizer não/ como simples medida de precaução./ Sou um fossíl muito fossil/ era um fossíl pouco dócil...”
No tempo em que o Toninho lanchava com os amigos na Pastelaria S. Bento”, é seguramente, até à presente data, o título mais comprido que José Cid atribuiu para uma canção sua. Foi também durante muitos anos, uma das canções menos conhecidas de José Cid, pois apenas em 2007, o disco # 2 da Colectânea “ Pop Rock & Vice Versa” lhe fez justiça, tendo esta canção sido incluída pela primeira vez em formato CD, e com um som nitidamente melhorado.
No tempo em que o Toninho lanchava c' os amigos na Pastelaria S. Bento” é mais um exemplo da plena versatilidade de José Cid enquanto músico capaz de explorar todos os estilos e géneros musicais. Por mero exemplo, o single que se lhe seguiu foi nada mais nada menos do que tema de raiz popular, “ Quadras Populares”, conforme o próprio nome da canção assim o indica. A todas estas mudanças e apelos a uma nova aventura musical de José Cid, correspondeu sempre Mike Sergeant, que após ter abrilhantado o épico “ Onde, como, Quando, Porquê... Cantamos Pessoas Vivas” não hesitou em acompanhar José Cid nas suas aventuras musicais ao longo de toda a segunda metade da década de 70 e inícios da década de 1980, contribuindo, de sobremaneira, para consagrar de forma definitiva esses tempos como o período de ouro da carreira a solo de José Cid.

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Portugal É....

Poucos dias depois de se terem comemorado 35 anos após o 25 de Abril de 1974 e do habitual renascimento radiofónico de velhas canções de protesto da autoria de muitos cantautores portugueses, surgimos esta semana com a análise de uma canção que pretende colocar em contraposição o contributo de José Cid no contexto da música portuguesa no pós 25 de Abril, comparando as suas canções com aquelas que os cantautores lançavam para o mercado discográfico da altura. Sem desprimor por nomes como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Sérgio Godinho, José Mário Branco e outros tantos (para falar só dos mais conhecidos) José Cid, ora enquanto membro do Quarteto 1111, ora a solo, cedo se aventurou em sonoridades até então inexploradas na música portuguesa, embora nunca tivesse conseguido, pelo menos até ao 25 de Abril, transpor para a opinião pública uma ideia geral de oposição ao regime ditatorial da época. Bem pelo contrário; a popularidade de José Cid, após a transformação do Quarteto 1111 nos Green Windows, aliada à sua participação em festivais da canção (eventos nos quais as letras das canções eram cuidadosamente passadas a pente fino pelos "homens de lápis azul") poderá ter contribuído para um sentimento, totalmente errado, de que José Cid era um conservador e um conformista nato. Nada de mais errado se poderia pensar! Desde logo, porque o próprio Quarteto 1111 teve discos que foram proibidos de imediato pela Comissão de Censura; por outro lado, no contexto da época (finais dos anos 60), a divulgação de discos de Rock em Portugal era quase inexistente e o conservadorismo da nossa sociedade apenas tolerava discos de yeh yeh, onde significado das palavras pouco importava para quem os escutava, contrariamente ao som psicadélico do Quarteto 1111, de audição não facilmente tolerável pelos mais conservadores. No entanto, na nossa opinião, o principal motivo para que o nome de José Cid não estivesse conotado à musica de cariz mais social dos anos 70, foi o facto de o próprio Artista nunca ter pretendido associar as suas composições a qualquer movimento político, compondo sempre de forma descomprometida em relação a qualquer rótulo, fosse ele de esquerda ou de direita.
Numa outra perspectiva, já no âmbito do pós 25 de Abril, proliferaram no contexto músical português toda a espécie de estilos musicais associados ao conçonetismo de cariz político e de intervenção. Aliás, grande percentagem do chamado canto de intervenção teve o seu auge no pós 25 de Abril, repartido entre os anos de 1974 e 1977, não só através da balada/canção, como também pelo fado (principalmente o humorístico) musica ligeira, marchas militares e, sobretudo, grupos corais. Tal como os outros, José Cid, não fugiu à regra e compôs entre 1974 e 1975 algumas canções que ilustravam bem a nova mudança na sociedade portuguesa; sem esquecer os arranjos da canção de Ermelinda Duarte “ Somos livres” entregues a José Cid, da sua autoria resultou também o single “ Quadras Populares” ( ainda com os Green Windows), “ A festa do Zé” ( em torno do fim da Guerra na Guiné Bissau) e, antes de todas essas canções, duas das mais brilhantes composições de José Cid dessa época: "Portugal É..." e “ No tempo em que o Toninho lanchava com os amigos na Pastelaria S. Bento”, gravadas em 1975, as quais compunham o single “ Portugal É” ( Decca SPN 182).
Ao lançar para o mercado "Portugal É...", em Março de 1975, José Cid não apela a um patriotismo descontrolado, nem a uma critica desgovernada aos sucessivos governos de transição da altura, nem tão pouco utiliza a canção como arma de propaganda política. Tal como outros também o fizeram, José Cid apela antes a uma unidade nacional em torno de um pais ainda por inventar, em plena construção, como bem ilustram os seguintes versos “ Portugal é toda a gente/que tu queiras abraçar/A quem falar de liberdade/sem a enganar/ Portugal, uma criança/ a sorrir na madrugada/Uma caminho sem fronteiras/ que te aguarda.” No entanto, se facilmente se pode concordar que a temática desta canção, para a época, não deixava de se considerar relativamente recorrente, ou mesmo banal, o mesmo já não se poderá dizer em relação à instrumentalização de "Portugal É...." arborizada numa sonoridade vanguardista, simultaneamente fresca e inovadora. Sem entrar em pretensões demasiado elevadas, podemos arriscar em dizer que se contam pelos dedos, os cantautores que se socorreram de sintetizadores e de mellotrons para arranjarem as suas canções. E é nesta vertente, de inovação, que José Cid sempre se destacou, não só neste tema, bem como nos temas de cariz mais intervencionista do pré 25 de Abril, que mais para a frente analisaremos. Por essa razão, "Portugal É..." não se limita a ser apenas mais uma excelente canção de José Cid; a sonoridade a ela associada é também o prenúncio para um novo caminho sem fronteiras na música portuguesa, que teve em José Cid um dos seus primeiros impulsionadores.
Ainda assim, "Portugal É ..." trata-se de uma das muitas canções de José Cid que nunca chegou a ser incluída em nenhum dos seus discos a solo. No entanto, para além de disponível em vinil no homónimo single de 1975, na colectânea da EMI VC “ Antologia da Música Popular Portuguesa José Cid “ ( 1977, EMI 11 C 074 40532) e na colectânea “ O melhor de “ ( 1990, EMI – VC 7946481 – 2 LP, também CD), encontra-se também disponível para audição em formato CD nas colectâneas “ Grandes Êxitos de” ( 2006, EMI 0946 374097 25 – sucedâneo da anterior colectânea “A rosa que te dei” das Edições Caravela) e, com excelente qualidade de sonora, na recente colectânea da etiqueta IPLAY, sob licença da Valentim de Carvalho “ O melhor de José Cid” ( 2008, IPV1391 2). Aconselhamos vivamente a sua audição.

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segunda-feira, 27 de abril de 2009

Uh ! Au ! Lobo Mau

Em 1986, José Cid grava o seu primeiro álbum para a Editora Polygram, acompanhado por uma banda composta maioritariamente por seus familiares, adequadamente apelidada de Banda Tribo, explorando uma nova sonoridade, bem mais simplificada, notoriamente marcada pelo som típico dos anos 80. O resultado da colaboração de José Cid com a Banda Tribo foi o disco “Xi-Coração”, recentemente reeditado em 2003 pela Polygram em formato CD. Um dos temas não incluídos no álbum, editado apenas à posteriori em 1987 em formato single, foi o tema “Uh! Au! Lobo Mau!” (Polygram 888 731-7, com a balada “”, no lado B), que hoje nos merece especial atenção.
Devemos referir, antes de introduzirmos a temática deste tema, que em Portugal na década de 70 e 80 abundavam as colecções de discos de vinil com histórias populares infantis, nomeadamente as versões adaptadas de Odette de Saint Maurice, que encantavam o dia a dia dos nossos meninos. Uma dessas histórias, que em bom rigor toda a gente conhece, é a história da “Menina do Capuchinho Vermelho”, que se deixou enganar pelo Lobo Mau, numa versão infantil, ternamente encantadora. No entanto, não foi com certeza com o intuito de criar um cenário amorosamente primaveril que José Cid recriou à sua maneira a história do capuchinho vermelho, quando se propôs a gravar juntamente com Chico Martins (guitarras eléctricas), Zé Paião ( viola baixo) e Ana Sofia Cid e Zé Nabo ( coros) a canção “Uh! Au! Lobo Mau!”. Bem pelo contrário: esta canção é uma verdadeira paródia em comparação com todas as anteriores versões musicais deste conto infântil. Na verdade, inverteram-se os papéis e ridicularizaram-se as personagens. Por um lado José Cid, na pele de lobo mau, reclama para si a menina do capuchinho vermelho, para depois levá-la para a floresta e chamá-la de “lobinha”, ao mesmo tempo que se mostra farto dos conselhos prudentes da avozinha do capuchinho vermelho. Conforme canta, José Cid pretendeu neste irónica canção, desmistificar a história já gasta da avozinha, numa clara alusão ao facto de, nos tempos de hoje, já não existirem capuchinhos vermelhos perdidos na floresta. (Nem lobos, diga-se de passagem...). Para a história da já extensa discografia de José Cid fica mais uma excelente canção, a nosso ver o melhor tema de José Cid acompanhado pela Banda Tribo, no qual o nosso também conterrâneo Chico Martins, assina um excelente trabalho de guitarra, harmoniosamente apadrinhado pelos afinados coros dos lobões e das meninas de capuchinho vermelho, entretanto já transformadas em lobinhas.
Até 2007, a canção “Uh! Au! Lobo Mau!” esteve indisponível para audição por parte dos apreciadores de José Cid em formato de CD, altura em que foi incluída no disco 2 da Colectânea PoP Rock & Vice-Versa, editada pela Farol Música. Para aqueles que apenas hoje pela primeira vez, tomam contacto com este tema menos conhecido de José Cid, aqui fica o nosso contributo para a sua divulgação.

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segunda-feira, 20 de abril de 2009

Telenovelas

O desencontro entre os seres não se manifesta apenas através da distância entre fronteiras, muros ou credos. Na maior parte dos casos o choque entre personalidades é o maior gerador de distância entre os seres humanos, sobretudo entre aqueles que se amam, os quais muitas vezes não conseguem resistir a tais colisões de feitios. Quando tal acontece e quando os sentimentos são fracos, é o próprio amor que sofre com isso, originando afastamentos muitas vezes indesejados. Noutros casos, o reverso da medalha funciona na perfeição, fazendo com que personalidades completamente opostas se entrelacem com naturalidade, entregando-se à paixão de forma totalmente descontrolada. Pouco importa, que um goste do azul e que o outro veja os dias num tom acinzentado, quando os opostos estão virados para o mesmo lado; é precisamente nessa circunstância que os opostos se atraem, criando verdadeiros olhares de cumplicidade entre aqueles que até então se olhavam com verdadeira indiferença.
É também neste contexto de atracção mútua entres seres humanos diferentes entre si, que surge a canção “Telenovelas”, que José Cid compôs em 1996, para o álbum “Nunca mais é sexta feira” (Espacial 3200146 ), na qual o Artista relata um encontro explosivo entre um homem e uma mulher com gostos e personalidades totalmente distintas. Por um lado, aquela mulher só pensa em telenovelas, em Hollywood e nas suas estrelas, enquanto que ele é vidrado em computadores e só pensa em megabytes. Em termos de gostos musicais, a diferença também existe: por um lado, conforme canta Cid, ela nem sabe o que é Sérgio Godinho, nem Jorge Palma (do Bairro do Amor), enquanto que ele, vidrado em Al di Meola, ouve canções de Brel, lê José Régio e compõe à viola. Ela é livre, lê a revista Maria, ele um homem ponderado e ajuizado, sendo já dono de um T3, pago com recurso ao crédito jovem. De uma forma simples mas não sincopada, José Cid transporta-nos através do lirismo desta canção, para uma realidade tantas vezes recorrente: a atracção entre seres humanos, a qual, sendo verdadeira, não conhece qualquer entrave. Por essa razão estes dois seres, tão diferentes entre si mas tão parecidos com milhares de pessoas pertencentes ao Mundo em que habitamos, não deixaram também eles de se render ao inevitável: é que a noite caiu sobre a cidade, e embora se tenham encontrado por casualidade, também eles trocaram olhares de cumplicidade, tendo ambos subindo as escadas da sua ilusão, alugado um quarto numa qualquer pensão, aí pernoitando, até que a luz da manhã os acordou para a realidade.
Recorrendo a um ritmo funk,Telenovelas” é um das seis canções inéditas que José Cid incluiu no seu único trabalho para a Editora Espacial. As restantes seis, já antes tinham sido incluídas nos discos “Vendedor de Sonhos” (1994) e “ Pelos Direitos do Homem” (1996). “Telenovelas” destaca-se neste trabalho musical, pela sua letra simples mas condizente com o nosso quotidiano, e pela sua sonoridade groovy, que pretendemos destacar na mensagem de hoje. Não podemos também ser indiferentes ao último verso do refrão de “Telenovelas”, no qual José Cid escreve que aquele homem e aquela mulher, depois de terem passado a noite juntos “ amanhã, dá para perceber, nem se vão conhecer”. Sempre fomos da opinião que a escrita de José Cid vale, acima de tudo, pela sua evidente simplicidade ( e honestidade). No entanto, para quem queira analisar de forma mais profunda este último verso, por certo concluirá que este é, sem dúvida, o verso mais introspectivo deste poema. É que a atracção entre os corpos não pede autorização a feitios ou a personalidades para se tornar numa realidade. Com efeito, só mesmo depois de esses corpos se entrelaçarem por diversas vezes, é que estes dois seres, bem mais tarde, ao conversarem, ao quererem saber mais sobre o outro, é que percebem que, por terem personalidades manifestamente diferentes, afinal nem se conhecem. Parece-nos que José Cid também percebeu como ninguém esses desencontros que partilhamos hoje com os leitores.

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sexta-feira, 10 de abril de 2009

Baile no liceu

Viajemos alguns anos no tempo e ancoremos no contexto do rock português e na importância que os (antigos) bailes de liceu tiveram para o crescimento da nossa cultura musical, principalmente nos finais dos anos 70, década que coincidiu com o boom do rock português e com o surgimento dos primeiros grupos portugueses de “rock de massas”. Quem felizmente viveu essa época, até cerca de meados dos anos 80, teve certamente o privilégio de assistir a esses concertos e hoje pode recordar com saudade os tempos em que os Bailes de Finalistas eram os acontecimentos musicais do ano nas diversas escolas e regiões circundantes. Nessas noites, novos grupos de guedelhudos portugueses animavam as festas dos estudantes, sendo frequentadores habituais dos bailes do liceu formações como os UHF, Arte & Ofício, Jafumega, Xutos e Pontapés, entre outras tantas, sem nunca esquecer aquela que terá sido uma das melhores bandas portuguesas de rock de sempre, mais o seu ambiente de autêntico bacanal musical que só os seus concertos podiam proporcionar: a Go Graal Blues Band ( de Paulo Gonzo).
Numa altura em que se aproximam já os Bailes de Finalistas e a mega festas das Queimas das Fitas das nossas universidades, com o divertimento garantido que as mesmas arrastam consigo, impõe-se uma referência obrigatória a uma das canções de José Cid que mais se adequam a esta época festiva. Falamos de “Baile no Liceu”, com arranjos e direcção musical de José Cid e Mike Sergeant, lado B do single“ Um rock dos bons velhos tempos”, lançado em 1981 (Orfeu GSAT 9002, também disponível em “ Os Grandes Êxitos de José Cid N.º 2” e “Antologia Vol. II”) Ao contrário dos tempos de hoje, onde a música electrónica e hip-hop imperam nas festas de liceu, nos anos 70 e 80, o rock & roll era o símbolo da irreverência estudantil e seus acelerados compassos excelentes pretextos para por de lado a trigonometria, a matemática e a filosofia, e acordar no dia seguinte com uma bela ressaca com riffs de guitarra ainda a tilintar nos ouvidos. Nesses tempos idos, não eram só frequentes os Bailes de Finalistas, como também outros bailes de liceu, nomeadamente o Baile de Natal e o Baile de Fim de Ano, bem como outros bailes que as Associações de Estudantes de cada escola organizavam. Também no nosso tempo (não tão longínquo assim) foram organizados alguns bailes de liceu, embora dominados já por um rock mais alternativo (soando já quase a death metal), em contraste com o ambiente da altura em que José Cid compôs esta canção. Nos tempos de hoje, com a expansão das discotecas e bares onde toda a gente pode dançar livremente, a importância dos bailes de liceu, caiu inegavelmente para um segundo plano. Dessa forma, talvez já não exista a natural luta entre colegas de turma para na noite de baile de liceu dançarem com a miúda mais gira de toda a turma inteira, conforme José Cid canta nesta canção. Como é evidente, não podemos criticar esta nova atitude, pois tal é fruto da mudança do tempo e dos hábitos sociais e musicais que a própria evolução da cultura
actualmente nos oferece. Assim, só nos resta evocar, através da mensagem de hoje, esses tempos idos, que infelizmente não pudemos viver devido à nossa abençoada juventude, pelo que nos socorremos hoje do excelente retrato sonoro que José Cid nos oferece com a canção “Baile no liceu”, num registo de rock and roll clássico, com arranjos que ilustram bem o ambiente manifestamente juvenil que se pretendeu recriar com esta canção.

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quinta-feira, 2 de abril de 2009

A Branca Flor

Os anos que se seguiram logo após a passagem de José Cid da editora Valentim de Carvalho para a Orfeu de Arnaldo Trindade, em 1976, coincidiram também com a aproximação de José Cid a uma abordagem musical mais contida dentro dos parâmetros da música nacional de então, altura em que José Cid começou a explorar a música popular, o fado e a música ligeira. Os lados A's de singles como “A Anita não é bonita”, “O largo do Coreto” ou “Aqui fica uma canção”, são dessas novas roupagens musicais um exemplo. Pese embora a mudança, o carácter multifacetado de José Cid permaneceu intacto, tendo os seus seguidores nos anos 70 aguardado sempre com alguma incógnita qual o registo musical que José Cid iria escolher para se apresentar nos singles que, entretanto, se seguiam num ritmo desenfreado, um após o outro. Com efeito, entre 1977 e 1979, a editora Orfeu lançou para o mercado mais de uma dezena de singles de José Cid, com canções que ainda hoje facilmente se identificam como alguns dos seus maiores sucessos, tendência que se prolongou até 1985, ano em que José Cid terminou os seus trabalhos para aquela etiqueta discográfica, com o lançamento do seu último single “Saudades de ti/Na rádio”. Os lados A's dos singles de José Cid para a editora Orfeu durante os anos 70, constituíram grandes sucessos e actualmente encontram-se facilmente disponíveis no duplo CD “Antologia -Nasci para a música”. O mesmo já não se poderá dizer dos lados B's que, quase por definição, se encontram quase sempre renegados para um segundo plano, por serem, supostamente, segundas escolhas dos seus autores, numa lógica de estratégia de conquista de mercado discográfico reservada aos lados A's. No entanto, somos da opinião que, no caso particular de José Cid, os lados B's dos seus singles ofereceram aos seus ouvintes alguns dos seus melhores registos e, quem sabe, até mais interessantes do que muitos dos seus lados A's. Um desses temas é a canção “Branca Flor”, lado B de um dos singles mais populares de José Cid, “A minha música” ( 1978, Orfeu Ksat 646 ), no qual José Cid assina um dos seus singles com maior dualidade e contraste musical entre uma e a outra face do mesmo disco. Se por um lado em “A minha música” José Cid canta (em pouco mais de quatro minutos) num rock acelarado a história da sua vida, na outra face do single José Cid oferece-nos uma bossa nova, transportando-nos para um cenário auditivo que nos remete para um entardecer tropicalmente quente, harmonicamente jazzado, mostrando-nos toda a sua criatividade, recorrendo a um perfeito piano eléctrico e a diversos efeitos, os quais se encaixaram perfeitamente nos (também eles contrastantes) dias de chuva e de sol retratados em “Branca Flor”. Na ausência de flautistas como Herbie Mann ou Paul Horn para abrilhantarem ainda mais este tema, é o próprio José Cid que harmoniza a instrumentalização de “Branca Flor”, recorrendo aos seus teclados, criando os sons de flauta que atravessam “transversalmente” toda a canção, permitindo assim que uma composição liricamente muito simples transmita emoções fortes aos seus ouvintes, principalmente a todos aqueles que (num dia de chuva) viram outra pessoa roubar-lhes a branca flor que tanto amavam até então. Para os que percebem a evidente metáfora que José Cid utiliza nessa bela canção, resta-lhes esperar por dias de Sol, embora sempre com a consciência de que mais nenhuma flor se assemelhará à Branca Flor que José Cid tão bem canta nesta bossa nova que hoje partilhamos com os nossos leitores.

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O tema "Branca Flor" também se encontra disponivel na recente Antologia Vol. II

quinta-feira, 26 de março de 2009

O CAOS

Existem duas categorias assumidas de admiradores de José Cid : num lado, a maioria, aqueles que apreciam as suas baladas e canções populares e, num extremo totalmente oposto, a minoria, constituída por rockeiros, que se limitam apenas a apreciar, sem nada mais quererem conhecer, duas das obras de referência do rock português assinadas por José Cid: a obra-ensaio “ Onde, Como, Quando, Porque, Cantamos Pessoas Vivas”, em colaboração com o Quarteto 1111, lançado para o mercado em 1975, e o magnífico disco “10000 anos depois entre Vénus e Marte”, de 1978, pela etiqueta Orfeu ( FPAT-6001). É sobre este último que nos debruçaremos hoje sem, contudo,nos querermos incluir em qualquer uma dessas categorias estereotipadas de admiradores de José Cid, uma vez que temos precisamente por objectivo demonstrar que as canções de José Cid não se resumem apenas a essas duas categorias musicais.
"10 000 anos depois entre Vénus e Marte" é, sem dúvida alguma, o disco mais conhecido de José Cid no Mundo inteiro, o mais procurado e, claro, o mais apreciado. No entanto, num sentido diametralmente inverso, em Portugal continua a ser dos álbuns de José Cid menos conhecidos pela generalidade do público. Para esse facto, contribuíram diversos factores: desde logo o pensamento geral de que a música portuguesa (só por ser portuguesa) não presta e que jamais os portugueses conseguem criar grandes obras ou composições musicais. A música estrangeira que invade as rádios do nosso Portugal é um reflexo dessa maneira de pensar, facto que nos preocupa, quanto mais quando sabemos que lá fora, a música portuguesa, nomeadamente a de raiz popular, é sobejamente apreciada. Por outro lado, a ideia (errada) da grande maioria da população de que música de José Cid se resume a canções como “ Favas com Chouriço ” ou “Como o macaco gosta de banana”, também contribuiu para que durante quase duas décadas o disco "10000 anos depois entre Vénus e Marte", tivesse sido esquecido pela Editora e colocado nas prateleiras de discos que estariam irremediavelmente condenados a apodrecer junto ao pó do vinil, sem reedição em CD. A tudo isso acresce ainda a conjuntura do panorama musical português aquando do lançamento de 10000 anos entre Vénus e Marte, que convém salientar: Se por um lado a mal preparada crítica de então recebeu com desconfiança este arrojado trabalho de José Cid, arrasando-o por completo, não deixa de ser menos verdade que a politização da música portuguesa que se seguiu aos anos imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974, corporizada em alguns trabalhos brilhantes dos chamados cantautores, aliada ao surgimento do rock de massas, não deixava antever qualquer espaço comercial para um disco tão arrojado e moderno como o foi na altura 10000 anos depois entre Vénus e Marte. Na verdade, José Cid, pese embora o carácter vanguardista a que sempre esteve associado em tudo o que tinha feito até então, ora com o Quarteto 1111, ora a solo, sempre foi posto de lado pelos novos donos da música do pós 25 de Abril, tendo sido rapidamente marginalizado por não se associar, quer em termos pessoais, quer em termos musicais, a qualquer lado da barricada, nomeadamente a música de propaganda da política de esquerda. Na verdade, José Cid foi dos poucos músicos cujo talento conseguiu transitar de forma incólume do antes para o pós 25 de Abril, sem qualquer preocupação que não a de apenas compor musica. Fontes muito próximas do Autor confirmam uma certa tendência para a marginalização de José Cid, enquanto músico que não pertencia ao sistema que se pretendia criar então e de um quase total boicote aos caminhos ultra visionários que era sua intenção seguir.Não estranhou, portanto, que 10000 anos depois entre Vénus e Marte fosse um verdadeiro fracasso comercial, pouco divulgado, que esteve quase a ser rejeitado pela editora Orfeu, a qual, apesar da aposta na qualidade patente nos ilustres artistas que representava na altura, talvez não fosse a editora mais adequada para José Cid se aventurar nos caminhos do rock sinfónico, vertente musical que pretendia na altura explorar. Por mera curiosidade, e por exigência de José Cid, a versão final do disco, em capa gatefold, vinha acompanhada por um livro de 6 páginas, com um banda desenhada de vivas cores, que aumentou de tal forma os custos de fabrico da arte final da capa do disco, de forma que, ao artista foi comunicado que não havia dinheiro para pagar tal impressão. Tal facto, contribuiu para que José Cid tenha decidido abdicar de todos os seus direitos comerciais pelo lançamento do disco( leia-se “dinheiros”), não recebendo nada em troca, que não a garantia de que o disco seria lançado para o mercado. Só esse gesto de amor é que tornou possível que a obra se tornasse uma realidade. Com 10 mil anos depois entre Vénus e Marte, José Cid provou de forma clara que, em termos musicais, também já se encontrava efectivamente numa outra galáxia, à semelhança da história que narra no albúm. Se, é verdade que tentativas esporádicas de algum rock progressivo já tinham sido ensaiadas antes de 1978, é com este trabalho musical que o rock progressivo em Portugal atinge o seu clímax. José Cid, apresenta-nos um belo trabalho de rock espacial (que bem poderia ser a banda sonora de um filme de ficção cientifica) centrado numa história baseada na destruição do planeta Terra pelo Homem, através da guerra e pela poluição, e na posterior fuga para o espaço de apenas dois seres humanos (um homem e uma mulher), numa nave espacial, os quais regressam 10 000 mil anos depois à Terra, entretanto já transformada num planeta vazio, virgem, inabitado e verdejante à espera que o descobrissem, para que fosse então possível, construir uma nova civilização, a partir do zero, à semelhança da génese primitiva de Adão e Eva.
Todo o disco é um apelo à imaginação do ouvinte e aos cenários auditivos que só a música de indiscutível qualidade nos pode transmitir. Desde a percussão galopante vertida no tema Caos, anunciado já uma fuga da cidade em chamas, à viagem espacial pelas galáxias do Universo, passando pela descoberta de um novo planeta e ao regresso à Terra, 10000 anos depois entre Vénus e Marte revela pela primeira vez aos portugueses a capacidade de um músico poder fazer rock em Portugal com expressão universal. Para além, disso, ao mesmo tempo que outros músicos acordavam para o que José Cid e o Quarteto 1111 já tinham feito uma dezena de anos antes, José Cid aventurava-se num conceito de música inovador, acompanhando os grandes grupos de rock progressivo e sinfónico da altura, como os Génesis, Pink Floyd ou Jethro Tull, num trabalho no qual toca piano acústico, piano eléctrico,orgão,diferentes sintetizadores e, claro, o mellotron, instrumento que conduz a viagem de todo o disco, que, no fundo, o elevou nos tempos actuais como uma das referências a nível mundial do mellotron. Para além de José Cid, colaboraram na gravação do álbum o inseparável Mike Sergeant ( viola solo e viola de 12 cordas no tema “Caos”) Ramon Galarza( percussão) e o baixista Zé Nabo, que também tocou viola solo e de 12 cordas.
A bom tempo, felizmente, a editora americana de Los Angeles, a Art Sublime descobriu e reeditou o disco em 1994, numa brilhante edição de luxo, limitada de 500 cópias, réplica do vinil em tamanho original, embora no interior constasse o disco em formato CD, ao qual juntou o tema extra “ Vida” ( Sons do Quotidiano)", gravado em 1977, fruto da parceria Cid, Scarpa, Carrapa & Nabo. De imediato, 10000 mil anos depois entre Vénus e Marte, adquiriu um estatuto especial, tendo tal reedição contribuído para que o interesse súbito nesse disco atingisse uma imediata dimensão mundial. Na verdade, editoras independentes de todo o mundo têm manifestado um interesse por esse disco, reeditando-o. A divulgação e o reconhecimento de 10000 anos depois entre Venús e Marte como uma obra prima do rock progressivo e do mellotron, teve o seu auge quando anos mais tarde, a revista especializada de rock BillBoard, aquando da elaboração de uma lista dos melhores discos de sempre de rock progressivo a nível mundial, o inserisse na referida lista no número 57.º . É verdade que é apenas uma crítica, mas para orgulho do rock português, este é o único disco de Rock feito em Portugal com reconhecimento e procura no estrangeiro, nomeadamente a sua edição original em vinil, cujo preço chega a atingir os milhares de euros. Nunca fomos muito a favor de catalogação e, especialmente, da hierarquização de discos por ordem descendente de qualidade, uma vez que todas as apreciações transportam consigo um enorme lado de subjectivismo e de gosto pessoal. No entanto, não temos dúvidas em aceitar perfeitamente que 10 000 mil anos depois entre Vénus é efectivamente um dos álbuns de referência do rock mundial e que, orgulhosamente, é da autoria de um português. Não podemos deixar de salientar a curiosa confidência que o próprio José Cid nos fez, quando referiu que o disco terá vendido apenas 600 cópias no ano do seu lançamento, razão pelo qual esse álbum andou perdido no tempo e quase que condenado ao esquecimento.
Actualmente, 10 mil anos depois entre Vénus e Marte, encontra-se facilmente à venda em formato CD, em qualquer loja de discos do pais, em virtude da sua reedição pela MoviePlay em 1999, facto que tem contribuído para que, a pouco e pouco, este trabalho passe a ter o merecido destaque no panorama musical português. Não poucas vezes, durante os concertos de José Cid dos últimos anos, fãs surgem em frente ao palco com faixas ou lençóis com um simples pedido “ Zé, toca o Caos!”, que, bem vistas as coisas, acaba por ser a canção mais conhecida desse disco, e por consequência, talvez a canção mais conhecida de José Cid no mundo inteiro. Efectivamente para os admiradores do género espalhados por todo o mundo, não há dúvidas em reconhecer aquela sequência de acordes bem ritmada de Mike Sergeant, que serve de introdução ao “Caos”, a canção liricamente mais agressiva e, em termos musicais, a mais poderosa de todo o disco. Ao escolhermos “O Caos” para apresentar este disco, estamos também a entrar na actual realidade onde vivemos e para a destruição para a qual caminhamos a passos largos. As breves notícias do tempo recente e a ausência de soluções para o tempo futuro, colocam-nos diariamente perante becos, a maioria dos quais sem saída, dos quais não conseguimos escapar. A violência, a instabilidade, os atentados constantes, os massacres perpetrados em locais públicos, sejam eles de culto ou escolas, todos esses factores contribuem, infelizmente, para que "O Caos", passados 30 anos do seu lançamento, continue a ser um tema actual neste Portugal, cujo futuro próximo nos amedronta.

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Imagens reproduzidas da colecção particular do autor do blogue

sábado, 14 de março de 2009

Portugal, Portugal, Portugal

Portugal, Portugal, Portugal não se pode considerar, de forma alguma, uma canção totalmente desconhecida para os apreciadores de José Cid, contrariamente a todas as outras que até ao momento temos vindo a divulgar neste espaço. No entanto "Portugal, Portugal, Portugal", parece-nos ser, de entre todas as canções que José Cid gravou num estilo mais popular, aquela que apela de forma mais evidente à riqueza do nosso folclore. Aliás, é através das canções populares que podemos compreender com mais facilidade a versatilidade musical de José Cid. Basta pensarmos que entre 1977 e 1978, José Cid se encontrava a gravar um disco de rock progressivo, enquanto que ao mesmo tempo lançava para o mercado singles de música de raiz popular ( “ A Anita não é bonita” e “Ti Anita”), para percebermos que, com José Cid, as formas de expressão musical podem ser infinitas. Ora, como não podia deixar de ser, mais tarde ou mais cedo, teríamos que abordar este lado mais popular no qual José Cid, orgulhosamente, também se encontra inserido. Ao escolhermos “Portugal, Portugal, Portugal” para ilustrarmos esta vertente de José Cid, estamos também a prestar homenagem a um país que continuamos a considerar ser bonito, apesar da constante destruição dos nossos espaços verdes, em abono de construções faraónicas de betão, contrariamente às paisagens que José Cid evoca em "Portugal, Portugal, Portugal".
Não podemos deixar de salientar que muito antes de "Portugal, Portugal, Portugal", já a temática da portugalidade esteve bem presente na carreira discográfica de José Cid, desde logo com a emblemática “ Lenda de El Rei. D. Sebastião”, passando pela “Balada para D. Inês”, pela menos conhecida “ Nas terras do fim do mundo” e pelo tema menos explícito mas contundente, “Vale da Ilusão”, todas estas composições do tempo do Quarteto 1111.
"Portugal, Portugal, Portugal", foi originalmente editado em 1979, como primeiro tema do alinhamento do lado A do álbum “ José Cid Canta Coisas Suas” ( Orfeu FTAP 606), com arranjos de José Cid e contributos de Pedro Caldeira Cabral ( viola), Ramón Galarza, Mike Sargeant e coros de Ana Maria Almeida, Constança Almeida e Ana Sofia Cid. Ainda no mesmo ano, foi editado um single desse mais recente trabalho de José Cid, distribuído em França pela etiqueta VOGUE ( VG 108-101267), para divulgação no estrangeiro. Os temas incluídos no single foram precisamente “ Portugal, Portugal, Portugal” e “ Olinda, a Cigana”, como lado B. Dada a sua raridade, e por nos ter sido solicitado por um leitor do nosso blogue, aqui deixamos para os leitores imagens da capa do referido single e um excerto desta canção, na qual podemos escutar facilmente a (nossa) guitarra portuguesa, os ferrinhos e ainda os afinados coros das portuguesas bonitas que fazem deste Portugal um pais ainda mais belo.

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domingo, 8 de março de 2009

Oiça a opinião de José Cid

No início da década de 80, as Selecções do Reader’s Digest editaram uma caixa com 8 LP’s estereofónicos dedicada aos maiores intérpretes e compositores da música portuguesa com o nome de “ SUPER ESTRELAS DA MÚSICA PORTUGUESA”. Tal edição foi considerada, pelas próprias Selecções, como o acontecimento musical do ano. Tratou-se de um registo discográfico, exclusivo para assinantes, que reunia na mesma caixa de discos, nada mais nada menos, do que 96 canções, numa tentativa de compilação dos grandes sucessos de sempre da nossa música popular. Com excepção de um LP totalmente dedicado a Amália Rodrigues, cada um dos discos era dedicado a dois artistas, tendo cada um direito a uma face do disco só com canções por si interpretadas.
Os artistas que fizeram parte do elenco dos discos foram os seguintes: Amália Rodrigues, Gemini, Paco Bandeira, Tony de Matos, Maria Clara, Carlos do Carmo, Simone de Oliveira, Duo Ouro Negro, Alfredo Marceneiro, Francisco José, Hermano da Câmara, Paulo de Carvalho, Maria Lurdes Resende, Tonicha e, claro está, José Cid. Curiosamente, Tonicha e José Cid, partilharam respectivamente o Lado A e lado B do disco 8, eles que já tinham gravado juntos com o Quarteto 1111 em 1968. Muitos mais artistas mereceriam ser incluídos nesse álbum, pois quando se pretende elaborar uma compilação de sucessos, questões relativas a direitos editoriais muitas vezes esbarram nas intenções dos mentores desse tipo de projectos, fazendo com que um ou outro artista tenha que ser necessariamente excluído. No entanto, cremos que parte dos artistas mais populares das décadas de 60 e 70 estão efectivamente reunidos neste disco.
Se esta colecção de discos é relativamente conhecida, o mesmo já não diremos do disco que apresentamos hoje. Trata-se de um disco flexível, amostra promocional da colecção SUPER ESTRELAS DA MÚSICA PORTUGUESA”, apresentado por António Sala, no qual se pode ouvir vários excertos das canções que compunham a colecção e as opiniões de vários intérpretes representados nesses discos, entre as quais as de Amália Rodrigues, Simone de Oliveira e José Cid.
Por um questão de rigor, iremos transcrever os dizeres constantes desse pequeno disco de vinil flexível: Disco Amostra Grátis/ Este disco destina-se unicamente a fins de demonstração. A qualidade do som não é de modo algum representativa da dos discos que compõem o Álbum. INSTRUÇÕES PARA UTILIZAÇÃO: Não utilizar com dispositivos de mudança automática de discos. Para melhor reprodução coloque aqui uma moeda de 1 escudo. Venda Proibida.”
Ora, precisamente depois de termos comprado este disco (por 50 cêntimos na Feira de Antiguidades de Coimbra) num estado lastimável e depois de o ter-mos conseguido pôr a tocar com duas moedas de 20 cêntimos na sua superfície, estamos agora em condições de partilhar com os leitores a opinião de José Cid sobre esse lançamento, do qual destacamos a seguinte frase: “.... a nossa música foi finalmente tratada como merece”. Pelo que conhecemos do Artista, acreditamos que José Cid em 1980, acreditava piamente no que estava a dizer.... Ironicamente, nessa altura José Cid ainda estava longe de saber que, uma década depois, teria que posar nú para uma revista em sinal de protesto pelo facto de a música portuguesa não estar a ser tratada como merecia, por não passar nas playlists das rádios portuguesas, em detrimento de música estrangeira.
Felizmente para nós, assistimos hoje a um novo interesse pela música portuguesa em geral, patente em programas de televisão e também em (algumas) rádios, o que nos deixa manifestamente satisfeitos, embora tenhamos consciência de que muito mais haverá a fazer e que nenhuma rádio portuguesa cumpre a legislação em vigor relativa às quotas de música portuguesa. Mas isso são outras questões... fiquem hoje com um excerto desse raro momento fonográfico, registado num disco flexível !

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